sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

domingo, 4 de janeiro de 2009


O BOTE DO TIGRE


Nesta semana que passou, cinco pessoas morreram afogadas nas praias da orla. Em julho, quando também estive por aqui, duas jovens desapareceram “nas ondas verdes do mar”. São pessoas que vêm de lugares distantes: Tocantins, Mato Grosso, sertão de Minas, por aí. Não têm nenhuma familiaridade com o mar; muitas vezes é a primeira vez que o veem.

O mar, em sua grandeza “infinita”, sempre me imprimiu um distanciamento respeitoso, ainda que tenha uma familiaridade de longa data. Minha relação com ele é de uma religiosidade laica. Antes de mergulhar, quando é o caso, o observo longamente. O mar tem olhos de tigre. Assim o fazia quando tinha automóvel e descia a Serra do Mar pela madrugada e banhava-me só, nu, para desaparecer-me no escuro, para o intestino da noite e das águas.

Neste início de ano (2009), quando estou de volta à cidade da Bahia, o que faço com freqüência, caminho ou pedalo todas as manhãs em direção à praia. Sem mesmo entrar nas ondas, fico, por uns dez minutos, observando, de um promontório que me permite a larga visão do mar aberto, entre o farol de Itapoã e Amaralina, a luz do sol espalhada sobre aquela massa líquida e azul; às vezes, verde; às vezes, cinza, se o dia é nublado. E, sei lá por quê, penso nos mortos que desaparecem ali. Talvez em razão de uma cena trágica que presenciei no Jardim de Alah, há muitos anos. Era um adolescente.

Uma mãe (campeã gaúcha de nado em piscina) que se afoga diante do marido e dos filhos, tentando desesperadamente, chegar à areia. Eu estava ao lado deles e ali permaneci, também aos prantos, como os outros presentes. Matou-a, não o mar, mas o desespero e o desconhecimento. Naquela praia, basta ver com cuidado, não se entra na maré vazante. E as correntes são enlouquecidas: puxam para todos os lados e para dentro, sem dó. O leito de areia fofa (perigo!), um imenso buraco movente. O bote do tigre.

O que nos paralisa diante de um evento trágico que se desenrola diante de nossos olhos, sem que, impotentes, possamos mover um braço interferente e salvador? Morbidez? É mais que isso. A fragilidade humana diante da morte inexorável e bruta é que nos batiza para o resto de nossos dias. Morremos precocemente um pouco naquelas ondas e, então, a inocência animal fica também morta ali. O troco é a vida que levamos de qualquer jeito possível.