sexta-feira, 1 de julho de 2011





DA FORMA VÁRIA DE TER

Ter para possuir: o objeto do desejo é, por longo tempo, namorado; necessariamente desnecessário; um troféu para si mesmo, um fetiche da conquista. Pode repousar na gaveta até o fim dos tempos. Sabê-lo próprio é ouro fino, como segredo que um ouvido conta ao outro.

Ter para exibir: o objeto do desejo só os outros possuem. Tê-lo é um modo de tornar-se um outro que se admira. Tanto que exibi-lo é como possuir consigo, preso à coleira, o próprio eu. Feito inusitado: a um só tempo, ser o que não se é. Simular um afeto que se quer e não se tem.

Ter para causar inveja: o objeto do desejo é, na verdade, indesejável. Sua posse é o amesquinhamento do outro - a vontade oculta. Ao expô-lo, a pessoa se faz outra, reduzida agora ao objeto desejado. Como, de fato, é (in)desejado, tê-lo é pouco, é nada; o muito é carregar, no bolso, a outra. De um jeito que a pessoa engole a outra para transmutar-se naquela que a amesquinha, amesquinhadas as duas. O aniquilamento simultâneo da posse e do possuidor.

Ter para não ter: o objeto do desejo é inalcançável (tido como). Sua posse, por inesperada, é desacreditada. Vem na forma de presente exótico, extravagante. Quem presenteia torna-se, lá na frente, o presenteado. Aquele que tem apenas o objeto se desmerece num momento, e, ao venerar o gesto da oferta, num outro, se crê o homenageado na ilusão de merecido distraído. Esquece o presente para tornar-se presa do doador, de forma que detém a posse, mas é o possuído.

Ter para vender: o objeto do desejo é provisório, como se vê. Acontece que sua posse momentânea faz do detentor alvo de atenção enquanto o desejado "tira um cochilo". O possuidor futuro, endinheirado, desfigura-se em objeto de pagamento porque quem vende quer o comprador e não o comprado. Aquele, ao comprar, é comprado, possuindo o que não foi desejado, mas despojado, no instante mesmo da transação. Onde está o valor? É um ter que ninguém tem; uma posse de si esvaziada e um desejo inflado num balão furado. Ter é, desde sempre, não ter. Crianças olhando um céu sem festa.

Assim, o que vale a pena possuir é o que não tem pra si valor mensurável. O verdadeiro desejo é a posse do outro. Para a infelicidade de ambos, possuidor e possuído. Nada e nada. Ter pra que então?


AS DUAS SOMBRAS DO ENLUARADO

- Por que não se decide?
- Tenho medo.

- Por que não foge?
- Não tenho medo.

- Por que não dorme?
- Tenho medo.

- Por que não se entrega?
- Não tenho medo.

- Por que se cala?
- Tenho medo.

- Por que chegou aqui?
- Não tenho medo.

- Por que partiu de lá?
- Tenho medo.

- Por que se lembra de tudo?
- Não tenho medo.

- Por que "matou"?
- Tenho medo.

- Por que não ama de uma vez?
- Não preciso.