sexta-feira, 11 de novembro de 2016


O TEMPO DAS HORAS

Alguém olha o negrinho
E a mulher feia,
Olha mais: todas as revistas
Burras. Espertas.
Há uma hora, espera.
Pelo espelho, se vê
E não gosta do que vê.
É uma manhã de primavera.
Sonda o bolso, a carteira vazia
Está. Ensolarada.
Olha de novo e é inexcedível:
É um velho nessa manhã
Que não pede licença
E as outras que virão.
Essa abre o céu vazio
E pede que entrem
O negrinho e a mulher feia
Que o espelho não reflete.
Ambos nos braços da vida inteira.
Ele, há duas horas, está preso no mesmo,
O velho espelho.



NÃO SEI DE NADA

Em vez do branco do papel,
Começo pelo preto
Da caneta. Chegar aonde?
No branco e no preto.
No branco da palavra e no preto da noite escura.
No inferno.
Onde está, então, o além? A transcendência?
Nas asas de quais pássaros?
De que galho destruído por um ônibus
Ou por mim mesmo que,
Brigando por uma sombra,
Acendi outra e mais outra labareda?
O cigarro de minha impotência:
A guimba e minhas lágrimas insanas.
Em vez de branco, que deuses não me deram lugar?
As angústias de dormir hoje,
Se, há muito, nem eram de ontem.
Sei como cuspir. O sol não me perguntou,
Não é o caso; o sol é pobre, a estrela só
Que descasca os ovos.
Que deixe então os pintinhos e as abóboras
Se espalharem pelos quintais quando o dia amanhece.
Se a vida é sagrada, sou ateu.
Desconheço
Esses deuses que vão dormir por muito trabalhar no mar das sombras.