segunda-feira, 18 de novembro de 2013


O RIDÍCULO SÓ

 
Aos poucos,

Entre os mesmos,

Os nens e os nãos.

Olho uns

Quando vejo.

São os sins de sãos.

De outras vezes,

Nem seis nem dez.

Acordo bem

Nas incertezas.

O que me abastece.

Sonho com todos os outros.

Depois, muito depois,

Adormeço em meus próprios braços.

Sonhos de inverno.

Nas águas e traços

Em que me lavarei,

O mar e meu próprio governo.

Mais e menos.

Os sins dos silêncios.

Pleno de não-dizeres.

BASES BINÁRIAS

A Érico
 “Se quisermos estar em casa neste planeta, mesmo ao preço de estar em casa neste século, precisamos tentar participar do interminável diálogo com a essência do totalitarismo”.  Hannah Arendt

 
Se me perguntassem, sem algum aviso antecipado, sobre o que mais caracteriza o ser humano, diria que é sua percepção da realidade objetiva (seja lá o que isso for) fundada em bases binárias. O que vem a ser isso? É apreender tudo em dupla chave. Assim: preto/branco, quente/frio, grosso/fino, doce/amargo, perto/longe, mais/menos, alto/baixo, feio/bonito, claro/escuro, gordo/magro, certo/errado, solto/preso, bom/mau, lento/veloz, e assim por diante, porque essas chaves parecem infinitas, tal como a complexidade do mundo. Algumas delas devem também servir aos animais. Não sei.

 
A maioria das pessoas, o comum delas, em todos os lugares, não se descola dessas bases – a primeira orientação, as balizas atávicas, o equilíbrio seminal. Aparentemente, nem é preciso. O grosso das atividades humanas não demanda mais, uma vez que a maioria dos homens se limita, por infeliz contingência, a subsistir. Essa maioria cresce e parece não ser capaz de alçar voos, ou teme-os. No pedestre mundo prático, é compreensível e justificável; no plano abstrato dos conceitos, da fome de transcendência, aterroriza-a arriscar-se no impreciso, no indefinido. Sentir-se-ia, aí, afogada no pântano escuro do mistério, da insegurança e da dúvida. As certezas se plasmam e se ancoram  nessas bases binárias. Estas são o território, por excelência, das doutrinas, dogmas e explicações definitivas. Inventa as religiões e as ideologias políticas – coirmãs tantas vezes.

 
Elas são a mãe de todos os fanatismos e extremismos – a convicção da posse da verdade, e assim é feita a demiurgia de mundos. Todo fanático ou extremado é essencialmente burro por colar-se rigidamente ao solo desses pares primários. Tem pavor a nuances e ambiguidades. Atola-se nesse lamaçal sinistro. Quem não está com ele é inimigo a ser extirpado. O fanático é perigoso e dado à violência em suma. Todo dilema e conflito são resolvidos à força (vis, o étimo latino comum). O pregador severo que não negocia, enfrenta; nem troca, impõe.

 
Assim, estamos diante do lastro humano de toda espécie de totalitarismo. De outro modo, os totalitarismos são sempre o mesmo. Inicialmente, a conquista, depois, a certeza de governo. É um só: o prisioneiro das sobreditas bases, rente a esse chão funesto se dele não parte para o alto. Rígido como liga de carbono.

 
A Arte, a Ciência e a procura do Conhecimento têm as asas dos albatrozes. Insatisfeitas, têm a vocação para a crítica, a superação, a negação, a desconfiança, a dúvida permanentes – a atividade de pensar.

 
O caráter móvel e transfigurador da primeira; o provisório permanente (ou vice-versa) da segunda; o imponderável e intangível da terceira. Para elas, não cabem piso ou balizas. Tudo escapa ao tentarmos pegar. Estamos sempre sem nada, ricos em nossa pobreza insaciável, olhando para o céu em que desaparecem.

 
Não seguem nem gostam de ser seguidas. Não ficam, fluidas que são. Mas, se eu estiver errado?

 

A. R. Falcão – novembro de 2013