quinta-feira, 9 de julho de 2015


REAPRESENTADOS, PARA NÃO ESQUECER:


"Hoje venta noroeste, amanhã é lua cheia. Depois virão outras luas e outros ventos, mas isso também é fútil. Pois um dia as luas podem girar no céu e outros ventos rodarão na terra com meiguice ou fúria, e isso não te importará, como, também, tudo o que foi. Por que, então, te afliges, agora? Que a brisa do mar invente espumas, e depois venham as chuvas frias, o sol e depois no céu limpo suba, imensa, a lua - não penses que isto tenha nada a ver contigo. Não existes. Nada tem a ver contigo".

Rubem Braga




"Ontem um pingo de sêmen, amanhã um punhado de ervas aromáticas e cinzas. Na existência de um homem, seu tempo de vida é apenas um momento, sua existência um fluxo incessante, seus sentidos uma luz fraca e fugaz, seu corpo presa de vermes, sua alma um redemoinho inquieto, sua sorte negra, sua fama duvidável. Em poucas palavras, tudo do nosso corpo é como águas correntes, tudo da nossa alma é como sonhos e vapores... Uma cerimônia vazia; uma peça teatral, rebanhos de carneiros, rebanhos de gado; uma arruaça de soldados; um osso jogado para bando de vira-latas; uma migalha jogada num lago cheio de peixes; formigas, aflitas e operosas; camundongos, assustados e fugidios; marionetes repuxadas pelos seus cordões - essa é a vida".


Marco Aurélio

DESVENTRADO

Trôpego e claudicante,
O homem dentro de si
Não conversa
Com o homem fora de si;
O sapato premido
E indesejado;
Um cego diante do muro;
Uma noite hostil
Ao silêncio da Lua;
Água que arranha
O leito do lago;
Palavras que desfitam o branco
Para afogar-se no vazio
Sem sentido.
As carniças que foram
Abandonadas
Por nossos mais íntimos urubus.