O PÁSSARO E O POLEIRO
L. Freud
Num caminhando a galope para uma espécie de
neofascismo (ver a obsessão pelos clichês saúde, eufemismo para
instrumentalização do corpo, qualidade de vida e autoestima), é
sempre bom ficar atento e não esquecer a boa e velha insubmissão.
Prefiro o desvairado ao sóbrio (o normal, o certinho,
o virtuoso). O primeiro é variado, múltiplo, imprevisível, imaginativo,
fantasioso e criativo. O sóbrio é normativo, repetitivo, conformado e
acomodado. Vê-se dominante (organiza exércitos) quando, na verdade, é
mentalmente dominado. O desvairado é inquieto, transformador. O sóbrio é
fixador, ancilosado e rebalsado. Julga-se superior sendo, de fato, o inferiorizado na
mediocridade, em ordem-unida. O sóbrio orienta para o seu bem; o desvairado desorienta para qualquer coisa, qualquer lugar. O
sóbrio sofre de nanismo cognitivo, tem certezas, adoece com a polissemia; o
desvairado se agiganta no vasto oceano da dúvida e das incertezas.
O sóbrio é obediente e aprecia
fazer-se obedecer - o servo na rua, o tirano em casa. O desvairado se rebela e
busca desordem para abrir-se ao novo, ao inesperado. O sóbrio é virtude, o
desvairado é pecado; o sóbrio é grosso, porque rígido; o desvairado,
fidalgo, porque bailarino. Em nosso mundo insuportável, o desvairado é julgado,
sentenciado e executado; ora direis sacrificado. Assim, a ordem se
restabelece. E vemos o que vemos, temos o que temos. Basta pôr um único pé
porta afora.
É evidente que faço aqui uma
simplificação. Afinal, toda experiência que se fixa em palavras é reduzida,
rebaixada e controlada pela razão sintática. Além disso e fora disso é o caos
do inefável e impalpável que faz e habita os confins do cérebro imaterial. Não
há saída para o ordinário da existência cotidiana. O sóbrio é linha reta; o
desvairado é desvio. O desvairado é um homem só em seu tugúrio; o sóbrio, um animal de
rebanho. O sóbrio é prosa; o desvairado, poesia.