PUTREFAÇÃO
Se quer mesmo subir um degrau, guarde algumas gotas de sua mais nefasta substância. Seus ressentimentos, invejas, ciúmes; todas as suas vilanias pouco lhe servirão. Interessa agora suas ações virtuosas que passaram incólumes por todos esses anos: as caridades públicas, generosidades privadas, abnegação, afetuosidade desinteressada; estas, sim, servem à fusão com aquela substância. É preciso vinagre, esqueça o vinho. Não há santa comunhão em vista.
Só aí então entregue-se ao mais torpe dos gestos - o que você jamais imaginou em sua proverbial covardia: dispa-se e deixe-se ficar no leito do assassino de seus filhos, de seu mais dileto amigo, de sua família, de seu jardim, de seu cão. Você doará, portanto, o justo merecimento: um perdão purificador, o que não teve em vida. Destitua-se de seus sonhos pueris que lhe criaram esta fisionomia de buquê de rosas brancas. Morra pouco a pouco, dia a dia, em paz, com a vergonha da qual nunca se viu livre. Nem quis.