sábado, 23 de janeiro de 2010

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O LIVRE-ARBÍTRIO DAS SEGUNDAS-FEIRAS

Parece não ser dado ao homem viver sem rumo, posto que tem pendor para a perdição. Vivendo a esmo, seu horizonte é a dissolução; desolado, busca recompor-se no que é mais rasteiro: a sobrevivência biológica contra o tédio de quem se desmancha no tempo, em inelutável esvaecimento.

O avesso dessa condição se vê na arquitetura de edificações gigantes: utopias, esperanças, religiões e ortodoxias em risco de se transfigurarem em fortalezas inexpugnáveis. O homem, por elas, se deixa ficar em prisões voluntárias, repelindo tudo e todos que lhe sabem estranhamentos.

Não satisfeito, desdobra-se numa intrincada tecelagem de normas, princípios, preceitos, preconceitos e códigos de conduta – autênticas chupetas salvadoras, ou, numa outra imagem: abelhas-rainha cercadas por colmeia devotada. A rígida sintaxe da qual não pode desvencilhar-se, sob pena de afundar-se em solidão, no deserto da dissipação – a interlocução com grãos de areia, a boca cheia de terra. Adão eterno. É quando se comunica para persuadir e, mais adiante, desentender-se; com um pé no plano destas ações quase simultâneas e o outro no contínuo daquela colmeia de adeptos que só se justifica ampliada.

Assim, sua história, às vezes, adquire a face de progressivas esgarçaduras, entremeadas por tramas bem urdidas, obstinadas. Se lhe é dado ver-se na fumarenta paisagem de sua humanidade. Difícil.

Como, por fim, suas ações não passam de empreendimentos baldados, resta-lhe a resignação de quem, desde sempre, se sabe poeira; que vai acabar sob sete palmos de terra, mera carniça dada aos vermes. Cadáver.

Entre viver e morrer, um travo de tanto faz. Mas disso prefere não saber. Vira o rosto estuoso e escolhe o vício incorrigível de camuflada jactância. Neste caso, pensar engendra arapucas, à maneira dos encontros com incertas horas marcadas. Eis um mamífero com atualidade perfeita: autopresenteado com teclado e monitor. Mas guardemos nossos rojões, que ele é uma banal ninfose. Deixemo-nos tomados pela retórica desmedida.

Salvador, 18 de janeiro de 2010