quarta-feira, 3 de junho de 2015


INSÔNIA

Sob os lustres dos casarões apagados
Repastam os arbustos floridos de outono.
Pelas estradas, as pegadas esquecidas remoem-se.
Caminham os fantasmas pelas matas
Em busca das manhãs que lhes furtaram.
E eu com isso?
Nas ruas,
Tergiverso entre bonés, chinelos e bermudas.
Sei que restam a eles
A ração de mundo
Que locam em pratos plásticos.
Herdo a companhia de viventes
Elétricos e analfabetos.
Não gosto de nada, nunca gostei.
Lustro os aneis de dedos que perdi
No útero que não consultei.
Nasci assim.
Depois, jogo tudo no lixo
E não vou dormir. Nem acordar
No jardim dos caminhos
Que se bifurcam.

O REINO DO CÉU

Essa torneira que, gota a gota, pinga
Sobre mim
Avisa-me que, para o tempo,
Não há clemência.
O gato e o cão se protegem da garoa
(sob automóveis)
Que lava todos os passados
Daqueles que esperam o que virá
Do mesmo.
Seus olhos são panos de prato
Encardidos.
Seus sonhos transpiram nos calçados
Úmidos de fé
Na circulação pública,
Na benzedura sobre o mingau,
Sob a curta noite inamovível
E o emprego que ameaça,
Por buzinas,
Desmanchar-se.


segunda-feira, 1 de junho de 2015


DISSE

Viro uma esquina, sob a chuva me pasmo. De que serve a experiência? O manacá-da-serra se exibe florido como o advento do mundo. Adianto-me. Sob a chuva e o guarda-sol, as flores das primícias se desfazem no outono. De que serve a experiência? Serve ao silêncio constrito. A experiência é o que penso saber? Ou o que sei que ainda não sei e que nunca vou saber? A experiência é o medo que atravesso, a lagoa seca, o rio debaixo da árvore morta. De que serve a experiência enquanto os homens se desentendem ou se matam? Não sei, rego as plantas, mato os mosquitos e decifro as tintas sobre papeis. Desligo o abajur na noite que me amordaça. E lembro por lembrar as sarças dos meus descaminhos.


De que servem os jacarandás-mimosos, as azaleias, as paineiras? O frio todo, as chuvas inteiras? A experiência é a sombra que se abre aos eventos que amordaçam os acasos; que dizem dizer - o outono que se abre e se some sob o agosto. E, a cada semana, vão morrendo cada um dos meus. Até que eu.  Tanto faz envelhecer. A morte perde a hora e faz agora, em qualquer penumbra, as cigarras desfeitas nos quintais, as que me encantavam os verões da infância. Os grilos, as noites e meus medos de amanhãs de hoje. Acendo o fósforo, fumo cigarros e como o caju de amores que tomaram o trem de ontem. Esquento a sopa. Penso no mesmo. Diante do Brasil, apago a luz e não adormeço.

CACHAÇA COM LIMÃO, MERMÃO

Saí por aí,
Atrás do lugar comum.
Encontrei clichês.
Mas o que vi, primeiro, foi
Lagartixa de repartição.
Estesia de contemplativo.
Vi também a multidão,
Como todas,
Vulgar e sandia.
Era protesto, era revolta,
Disposta a fogo em ônibus.
Então me fechei. E vi tudo:
Bolachas, dívidas, cervejas
E reforma política.
Cortei laços e pulsos
E fiquei ni mim.
Sem um fito, olhando aí,
Mulas, nádegas de academia,
Coprologia,
Linguistas, formuleiros,
Airados bonitinhos
Dando aula de redação,
Sonhando revolução
Em rotor de pia.
Alienado que era,
alienei-me mais ainda,
Feliz, felicíssimo da vida.