VAI SABER
EM MUITAS OCASIÕES, O TEXTO SE ESCREVE SEM QUE EU EXERÇA REAL DOMÍNIO. ENTÃO, DEIXO QUE SE FAÇA. NESSES CASOS, É SEMPRE UM CORPO ESTRANHO HABITANDO MEU QUINTAL. DESCONFIADO, FICO A OBSERVAR.
terça-feira, 9 de junho de 2009
domingo, 7 de junho de 2009
BALANÇO QUALQUER
Determinei que hoje é meu aniversário.
Há uma frase de Millôr gravada em mim: “Grande como o quintal da infância”. Ela tem, no meu caso, um significado especial, porque o quintal de minha infância formou-me, configurou a pessoa que sou hoje. De tal forma que transformo todo espaço que habito num sucedâneo daquele quintal. Não importa se é uma grande casa ou um quarto-e-sala. Para a frase conhecida “minha casa, meu castelo”, rebato com “minha casa, meu quintal”.
Ali, na maior parte do tempo, só, brincava com meus carrinhos, bichos, árvores e, principalmente, terra. Esta permitia-me construir estradas, pontes, rios, montanhas, tudo. As coisas do mundo – eu e os carrinhos éramos a união identitária. Os bichos: cachorro, gato, galinhas, passarinhos, besouros, lacraias, centopéias, joaninhas, lagartas e muitas formigas; meus amigos e antagonistas ficcionais. Com as árvores, brincava de acrobata de circo e Tarzan. Minha imaginação delirante nasceu ali.
Quando, hoje, me vejo cercado de objetos vários, livros e máquinas fotográficas, penso: aí estão meus carrinhos, aquelas coisas do mundo, as estradinhas, as pontes e seus riachos alimentados a baldes d’água. Hoje, estou só como só estava, e acho que sempre estive ainda que tenha casado algumas vezes.
A religiosidade é uma dimensão estranha a mim. Não sinto necessidade de deuses. Morrer, ora morrer. Fumo com prazer, esta glória da vida. Conviver com a morte é um aprendizado da vida inteira, dure esta quanto durar. Não há sábios nessa esfera, apenas aprendizes – uns corajosos e outros covardes. Há também os alheios. Quem sabe não sejam estes os mais próximos da sabedoria. Se é que essa coisa existe. Não existe.
Detesto telefones de qualquer espécie. Como disseram, o cavalo já foi um erro. Curiosamente, sempre gostei de conhecer todo tipo de pessoa, todo mesmo. Ajudam-me a ter alguma justa medida da condição do ser humano no mundo: moradores de rua, prostitutas, pobres, muito pobres, a classe média cega pelo consumo, burgueses e os supremamente ignorantes. Tristes quase todos e nem sabem. Não sei se melhor ou pior assim.
Hoje, o substituto daquelas construções infantis são meus desenhos, fotografias e minha literatura. Não passam disso. A autonomia que a imaginação me permitiu está estampada em meu cotidiano nesses sessenta anos. Cuido de mim: a roupa, a comida e a casa. Administro mal dinheiro. Caminho só pela cidade e gosto de beber só. Convivo bem com as pessoas até um certo ponto, durante um certo tempo. Depois, tudo vira incômodo, eu inclusive. É quando volto e me fecho em meu quintal.
Gosto da vida, não gosto do que fazem do mundo. Cada vez menos. O ser humano é um animal lamentável. A uniformização e as consequentes descortesia, deselegância de modos, vulgaridade, brutalidade e comportamentos bovinos me enojam. Ando assim hoje, talvez já andasse. Há um preço caro, mas não me arrependo. O que está feito já não pode ser desfeito.
Agora é seguir para o fim de meus dias à caça da cota de beleza e leveza que minha sensibilidade permite, mas com uma mão pesada sobre a raiva do mundo que, muitas vezes, toma conta de mim. Não sei, e não me interessa, se, de fato, é o que de melhor me cabe dessa pobre fazendola.
JUNHO DE 2009
Determinei que hoje é meu aniversário.
Há uma frase de Millôr gravada em mim: “Grande como o quintal da infância”. Ela tem, no meu caso, um significado especial, porque o quintal de minha infância formou-me, configurou a pessoa que sou hoje. De tal forma que transformo todo espaço que habito num sucedâneo daquele quintal. Não importa se é uma grande casa ou um quarto-e-sala. Para a frase conhecida “minha casa, meu castelo”, rebato com “minha casa, meu quintal”.
Ali, na maior parte do tempo, só, brincava com meus carrinhos, bichos, árvores e, principalmente, terra. Esta permitia-me construir estradas, pontes, rios, montanhas, tudo. As coisas do mundo – eu e os carrinhos éramos a união identitária. Os bichos: cachorro, gato, galinhas, passarinhos, besouros, lacraias, centopéias, joaninhas, lagartas e muitas formigas; meus amigos e antagonistas ficcionais. Com as árvores, brincava de acrobata de circo e Tarzan. Minha imaginação delirante nasceu ali.
Quando, hoje, me vejo cercado de objetos vários, livros e máquinas fotográficas, penso: aí estão meus carrinhos, aquelas coisas do mundo, as estradinhas, as pontes e seus riachos alimentados a baldes d’água. Hoje, estou só como só estava, e acho que sempre estive ainda que tenha casado algumas vezes.
A religiosidade é uma dimensão estranha a mim. Não sinto necessidade de deuses. Morrer, ora morrer. Fumo com prazer, esta glória da vida. Conviver com a morte é um aprendizado da vida inteira, dure esta quanto durar. Não há sábios nessa esfera, apenas aprendizes – uns corajosos e outros covardes. Há também os alheios. Quem sabe não sejam estes os mais próximos da sabedoria. Se é que essa coisa existe. Não existe.
Detesto telefones de qualquer espécie. Como disseram, o cavalo já foi um erro. Curiosamente, sempre gostei de conhecer todo tipo de pessoa, todo mesmo. Ajudam-me a ter alguma justa medida da condição do ser humano no mundo: moradores de rua, prostitutas, pobres, muito pobres, a classe média cega pelo consumo, burgueses e os supremamente ignorantes. Tristes quase todos e nem sabem. Não sei se melhor ou pior assim.
Hoje, o substituto daquelas construções infantis são meus desenhos, fotografias e minha literatura. Não passam disso. A autonomia que a imaginação me permitiu está estampada em meu cotidiano nesses sessenta anos. Cuido de mim: a roupa, a comida e a casa. Administro mal dinheiro. Caminho só pela cidade e gosto de beber só. Convivo bem com as pessoas até um certo ponto, durante um certo tempo. Depois, tudo vira incômodo, eu inclusive. É quando volto e me fecho em meu quintal.
Gosto da vida, não gosto do que fazem do mundo. Cada vez menos. O ser humano é um animal lamentável. A uniformização e as consequentes descortesia, deselegância de modos, vulgaridade, brutalidade e comportamentos bovinos me enojam. Ando assim hoje, talvez já andasse. Há um preço caro, mas não me arrependo. O que está feito já não pode ser desfeito.
Agora é seguir para o fim de meus dias à caça da cota de beleza e leveza que minha sensibilidade permite, mas com uma mão pesada sobre a raiva do mundo que, muitas vezes, toma conta de mim. Não sei, e não me interessa, se, de fato, é o que de melhor me cabe dessa pobre fazendola.
JUNHO DE 2009
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