segunda-feira, 24 de junho de 2013


CONGESTIONAMENTO

Nesses dias, as pessoas são perguntadas, a toda hora, sobre o que pensam das manifestações protestantes e de fúria que ocorrem por todo o país. Não escapei dessas indagações, até porque brasileiros e estrangeiros estão meio desnorteados e trocar palavras pode ajudar ou criar desentendimentos. Falar não custa nada; às vezes só aborrece e entedia.

Faço uma analogia que pode ou não ser feliz: ir para as ruas e protestar, como o fazem, é como buzinar em engarrafamentos. As buzinas são as manifestações propriamente ditas; os engarrafamentos são a vida sofrida das pessoas, vitimadas pelas sucessivas farsas e fraudes que os poderes públicos cometem todo dia em conluio com poderosos setores privados.

As buzinas avisam, aos berros, que algo está errado, que as coisas não podem continuar como estão, mas não fazem o trânsito andar. Ferem os tímpanos de quem é apenas pedestre ou está por perto, tal como é incomodada a maioria da população dos grandes centros urbanos que quer voltar pra casa, ir para o trabalho ou locomover-se por qualquer motivo.  Assim é que essas manifestações horizontais com “infinitas” e vagas reivindicações, por si, não levarão a lugar nenhum sem que sejam acompanhadas de propostas claras e exequíveis. E devem ser cobradas sem tréguas.

Os vândalos e ladrões das manifestações são os mesmos que assaltam motoristas nos congestionamentos de rotina e realizam arrastões criminosos. Apenas se aproveitam. A polícia repressiva é o braço violento do poder público safado e despreparado que temos, de ponta a ponta. Em suma, a analogia é essa. A continuarem, dia sim e dia não também, as buzinas vão cansar, frustrar e podem levar a pântanos escuros forrados de crocodilos.

A.   R. Falcão - junho de 2013

DEU NO QUE DEU

 

 Causa-me enfado alguém enunciar “A vida é feita de escolhas”. O hominídeo se infla de gazes superiores e bate, sobre a mesa, a sentença incontornável. Em mim, pelo clichê, um espasmo; pelo vago da assertiva, o tédio; pela convicção roubada, o riso de bolso.

 

A palavra escolha é gramaticalmente muito transitiva. Pede complemento nominal. Não pode se pendurar no abismo à mercê do vácuo de sentido. Escolha é “escolha de”, “escolha para”, “escolha como” e por aí afora. Há de se mencionar o que é aberto semanticamente a partir das preposições espertas. Se assim não for, a voragem.

 

Depois, elas (as escolhas) podem ser desenhadas nas pranchetas volitivas da racionalidade bem-pensante – o símio equilibrado. Não conheço. Mas desenham-se também nas contingências perigosas e envolventes. A decisão em súbito. Quando é que se acerta nela? Quem pode responder antecipadamente, antes mesmo que o horizonte se configure como consequências que se desdobram em direção ao infinito?  

 

Não há, portanto, culpa pelos erros. Nem indulto. Essas mazelas cristãs que sufocam o homem. Há responsabilidades, passos que se refazem por caminhos múltiplos ou andanças no escuro da existência. E são tantos. Há sucessivas e imprevisíveis escolhas frente ao cesto dos destinos. O livre-arbítrio tornado relativo, em suspensão, até o cansaço que adormece e aguarda em outra bobagem que se chama “bom senso” - a fuga das arestas inevitáveis num labirinto sempre agressivo.

 

Se existisse apenas um “Eu” absoluto, livre do “Nós” complicador, viver seria feito de escolhas intransitivas. Fica o repouso inquietante sob o silêncio das estrelas no céu infinito. Porque sonhamos é que dormir abraçados ao travesseiro do esquecimento é sempre a melhor escolha. É o que vou fazer: dormir sob o peso dos sonhos. Que as memórias trabalhem por mim. Quero preguiça com fortes emoções.

 
A. R. Falcão – junho de 2013

A MENINA DA SACOLA

A Helena na festa de São João e eu no caixa

O que tem na sacola?

Ela tem borboletas.

Dentro ou fora, menina?

Claro que fora; dentro, morrem.

E dentro? O que tem na sacola?

Dentro? Tem um céu e tico-ticos.

Mas eles não morrem?

Não, claro. Tem o céu.

E como você prendeu o céu, menina?

Antes do amanhecer, com um canudinho.

Hum, menina... E os tico-ticos?

E os tico-ticos? Tentei com ar.

Só o ar?!

Não, o azul também.

E o que mais?

O fubá, senhor curioso, o fubá.

E o que mais?

Eu.

Eu?! Como, menina?

Com o lado de fora, o ar, o céu, as borboletas, o azul

E eu comigo. Sou assim assada, senhor.

Por dentro, por fora;

Deixa ver, mais:

Por favor, um bolinho de fubá. Quanto é?

Antônio Rebouças Falcão – junho de 2013