Na
casa de Seu Armando, há muitos abacates (hipopótamos elegantes) e algumas
poucas cebolas (rosas amargas). É que ele é um apreciador peso-pesado dos
primeiros. Come muitos ao longo da semana, pela manhã e antes de se recolher.
As
cebolas têm outra ordem de problemas, os abacates nenhuma. Então, do que se
trata? As cebolas têm inveja, não de também serem devoradas em quantidade. É
uma inveja de natureza morfológica. Repare: a cebola é feita de várias camadas
de pétalas que se superpõem, você a “desfolha” e, no fim, parece não restar
nada, senão lágrimas. O abacate tem poupa gorda e um grande caroço no centro,
uma fruta óbvia.
Pois
bem, certa noite, como é de hábito, Seu Armando foi à cozinha e “traçou” seu
abacate, mas esqueceu de jogar casca e caroço no lixo. E voltou para o quarto.
Uma das cebolas invejosas saiu da cesta e aboletou-se no interior da casca esquecida
e, ali, feliz, adormeceu. Ela teve a ilusão de ser um abacate no coração de um
sonho.
Pela
madrugada, Seu Armando acordou com sede e foi até a cozinha para beber sua,
também habitual, aguinha. E deparou-se com a casca de sua fruta predileta sobre
a mesa. Xingou baixinho por aquele imperdoável esquecimento e tomou a devida
providência: com as duas mãos, pegou o dejeto, o atirou no lixo e fechou o
saco. É verdade que estranhou um pouco seu peso, mas, como estava “sonado”, não
deu importância ao detalhe, apagou a luz e voltou satisfeito para o quarto, com
os pés do chinelo trocados.
Restou
a tristeza do abacate (enterrado morto) , a cebola não entendeu nada, embora
suspeitasse de seu trágico fim (enterrada viva) e a satisfação rotineira de Seu
Armando, que dormiu pesado até tarde naquele domingo.