1. Sem
ofensas: inventar uma religião é fascinante, porque tem um acento imaginativo e
poético. Seguir uma religião, não. É pobreza de espírito.
2. Tarimba é
o lastro de madeira sobre que os soldados se deitam antes de morrer na batalha.
E, por insondável motivo, é também o lastro simbólico da experiência que se
acumula, o que resulta em alguma sabedoria; onde o conhecimento pode repousar
em sua provisoriedade.
3. O momento
zero das relações sociais é levantar-se da cama. Seguem as abluções e
assemelhados; escolher roupas e vestir-se; sentar-se à mesa, alimentar-se e
sair para o mundo; deste você não escapa mais. Há o momento final. Deixe-se
eviscerar, deixe que banhem seu cadáver, escolham sua roupa, o vistam e o
maqueiem para seu velório. Mesmo aqui você não se livra das relações sociais.
Esta maldição. Só há um jeito: não saia mais da cama.
4. Pensar que
intimidade é a nudez compartilhada e o interpenetrar-se dos corpos é tolice.
Intimidade é muito mais dividir silêncios amistosos e, talvez, ainda assim,
seja uma definição insuficiente.
5. Encontrar
o culpado por um dano é obsessão tão antiga quanto o homem. Fica a pergunta:
ocorrido o dano, a vantagem está na justiça (aqui, irmã da vingança) ou no
reparo ao feito? Há danos irreparáveis e, nesse caso, pouco importa o que se
fizer. O mal feito não pode ser desfeito. Os reparáveis devem ser reparados por
quem os cometeu. Se o malfeitor estiver na cadeia, não poderá reparar nada. Por
isso os danos são intermináveis na história do homem. O conjunto de leis é
sempre insuficiente e sua aplicação morosa. Há o risco da injustiça. O de hoje
não é o de ontem. Paciência, resignação e alerta são bons parceiros desde muito,
mas não satisfazem. Porém...
6. Repare
como, no Natal, o evento recorrente são familiares comuns brigando por comida e
se empobrecendo por presentes. No 25, comem restos e, no 26, correm aos bancos
para chorar sobre as sobras. A burrice é um rito a respeitar.
7. No Brasil,
ao comprar o seu mais moderno celular, você terá, como brinde, a sentença de
morte. Nas quebradas, ele será vendido baratinho, baratinho. Como sua vida que
se foi.
8. À noite,
alguns dormem, outros tentam dormir. Os que dormem sonham. Alguns se lembram
dos sonhos, outros os esquecem. Alguns contam-nos, outros emudecem, mas não
esquecem. Em quaisquer de todos os casos, as torneiras, indiferentes, seguem
pingando; o dia amanhece e já é hora de trabalhar. Que chatice!
9. Se alguém
fizer cada dia diferente dos demais, todos os dias, no último (que é igual para
todos), se perderá por falta de referências. Se alguém fizer cada dia idêntico
aos demais, todos os dias, no último (que é igual para todos), não terá do que
se lembrar. Basta pensar no derradeiro (mas não perceberá) que foi, como os
outros, o mesmo.
10. Entre
Gregório e seus familiares, havia um atrito ameno que se prolongava há algum
tempo. Consistia no fato de que lhe solicitavam exames médicos para mera
verificação, uma vez que os anos iam passando sem que fosse a um consultório,
qualquer que fosse. Às vezes, emagrecia muito; depois, engordava. E, assim, ia
levando. O homem era dado a certos abusos. Ele recusava com declaração severa:
"Podem tirar o cavalinho da chuva. Sou forte o bastante para escapar de
qualquer doença. Parece que vocês querem me ver doente. Que saco! O tempo
passou e, em certa manhã, o encontraram morto na cama. Morrera, serenamente, de
causas naturais. Sem nunca ter adoecido. Cumprira-se a palavra. Parece que, do além, podiam
ouvi-lo proclamar: "Viram, suas bestas?!".
11. Mont
Tower, a autoridade maior, era tão vaidoso que suas profusas imagens espalhadas
por seus domínios públicos não tinham como referente a pessoa empírica, mas
reflexos especulares. Simplesmente porque, ao arrumar-se frente ao espelho
palaciano, dali não sai mais. Quem ousaria avisá-lo de que há trabalho a fazer?
Escolher o terno, um dia; a camisa, uma manhã; os sapatos, também; assim a
gravata; pentear os cabelos, três horas e assim por diante.
12. No Brasil
(em qualquer lugar), quando empresas (indivíduos também) dizem se arrepender
das más condutas, fique de olho: ou no armazém perdões perderam valor ou as
vozes ouvidas vinham de fitas gravadas, de origem ignorada.