quarta-feira, 8 de junho de 2011

























RECÔNDITOS

Antes, farei uma digressão. Morei alguns anos na Vila Beatriz. Para quem não conhece, ela fica entre o alto da Heitor Penteado e a várzea oculta de Alto de Pinheiros (Pça. Panamericana), vizinha aos fundos da Vila Madalena. Faz fronteira com a Vila Ida.

Nos poucos botecos de lá (acreditem, ainda existem), contaram-me que Beatriz, Madalena e Ida eram irmãs. O pai, próspero fazendeiro, dividiu suas terras entre as três, que acabaram por dar origem aos bairros coetâneos.

Eu morava na rua Alfredo Pirajibe, onde ela desemboca no Parque das Corujas, que poucos paulistanos conhecem. Um paraíso perto de tudo. Foi aí que me apaixonei, em definitivo, pelos bem-te-vis. Passarinhos valentes, indomáveis (não os verão em gaiolas) e misteriosos. Solitários, não andam em bandos como as irritantes maritacas. Não suportam pardais, uma espécie de “gente diferenciada” no mundo dos passarinhos urbanos.



Os bem-te-vis têm mérito diverso: são de notável elegância no trajar; sua estampa é arte gráfica das mais graciosas. Na descrição de Aurélio: ”Coloração pardo-olivácea, asas e cauda marginadas de vermelho, cabeça preta com uma mancha amarela no vértice, sobrancelhas prolongadas numa fita nucal, garganta branca, peito e abdome amarelos.”

E cantam lindamente. Seu nome é um fenômeno: traz, em si, o canto e a graça que nos toma ao vê-los. Habitam meu panteão particular, na companhia dos sabiás e de uma planta sobre a qual falarei depois. Só me desagradam quando resolvem se apresentar como Pitangus Sulphuratus. Perdoo-os, porque me fazem companhia nos céus da Bahia.

Depois de tomar juízo (coisa rara em mim) e desfazer-me finalmente de automóveis (esta praga sinistra), tornei-me um caminhante convicto. Esse primitivo e novo modo de locomover-me em São Paulo restaurou-me antigas manias: caçar “lixos” utilíssimos, como borrachinhas, clipes, pregos, parafusos, arruelas e pedaços de fios, araminhos. Aceito também moedinhas e as raras notas.

Ao caminhar, como é possível verificar, observo mais o chão que o horizonte. Assim, logro também evitar os buracos frequentes e inextinguíveis. Tudo isso para chegar à planta de meu panteão: a goiabeira.



No quintal de minha infância, era a árvore mais confiável. Por fino o galho, jamais quebrava. Nós, meninos, a escalávamos na mais absoluta confiança. Hoje, meninas devem trepar em árvores, mas, na minha infância, idos de 1950, não. Era coisa de guri.

Andando por essa cidade, tive a benfazeja surpresa de encontrá-la nos lugares mais improváveis: buracos de calçadas, junções de guias e o piso destas, cantos de rua, paredes, muros rachados e nos viadutos degradados. Cresce indiferente a tudo; se quebrada, resiste e volta a se reerguer, na mais completa teimosia. Mais que o sertanejo euclideano, ela é a fortaleza. Entristece-me saber que jamais vejo os frutos. Imagino o motivo e é ocioso mencionar.

Ninguém liga pra ela e, muito menos, liga pra algo ou alguém. É altaneira, e chega a crescer colada a troncos alheios. Folgada. E faz muito bem. Nas solenidades secretas, no alto das madrugadas, longe dos humanos, se fantasia de Psidium Guayava. Que fique em paz. Aqui beleza e força se confundem.

Por que desviei-me do assunto que não se fez visível? Nem eu mesmo sei. Culpa, talvez, por não ter prestado, em tempo, as devidas homenagens a quem não me abandona no isolamento das andanças cotidianas. O assunto? Ele que espere mais um pouco!






SUA MONUMENTALIDADE

Para uma sobra arrolhada de vinho,
Há o dia provável,
Inescapável,
Em que a urina lhe escorrerá
Pelas calças
E o sangue,
Pelas ventas.
Do alto de seu sobrecenho,
Saiba então:
Seu rosto refletido aí
Terá a familiaridade
Das dores que entram pela casa e,
Sem pedir licença,
Abrem a geladeira.
Essa que o acoberta
Nas noites insones,
Nas páginas lidas e escritas
Que não importam mais.


“AMA COM FÉ E ORGULHO A TERRA EM QUE NASCESTE”

1. Você vai ao banco sacar algum dinheiro. O caixa eletrônico lhe atira, nas mãos, notas manchadas, frutos de crime. Sobre você, desaba um pesadelo. As notas não têm valor algum. O banco, apesar de ter fornecido as notas, nada tem a ver com isso. Você que se vire. É o que diz o soberano Banco Central. Entendeu, não? Você não vale nada, Zé Pereira!

2. No corrente mês, a Justiça de Ribeirão Preto (SP) condenou a 30 anos de prisão um cadáver que, por sua vez, já se encontra prisioneiro numa cova, desde 2008. No mês passado, ficamos sabendo que a Justiça continua procurando um médico cujo cadáver tem endereço conhecido: o cemitério. Tem como companhia outros 2.699 esqueletos, que fogem alegremente por aí.

3. Enquanto isso, dois outros cadáveres de trabalhadores rurais estão, desde abril, seguindo, resignados em seu apodrecimento, nas florestas do Pará. Dá muito trabalho encontrá-los. Muito calor, muita fedentina, muito mosquito. Deixa pra lá!

4. A súcuba presidenta (e seu íncubo ex-) – são dois em um - declarou: “Afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito.” Então tá! É melhor não contrariar.

5. Em São Paulo, ciclovia é a calçada do pedestre, esse infeliz inconveniente. Não bastassem os motoristas-chimpanzés, temos agora os ciclistas “politicamente corretíssimos” nos atropelando. “Quem tem juízo não reclama, aceita e pronto!” Viram? Vocês aí de gravatinhas vermelhas, sapatos bicudões, chapinhas, pretinhos básicos e crachás.

6. O ministro da educação acusa senador de condenar livro sem sequer se dar ao trabalho de lê-lo. O que é fato. Entretanto, sua equipe aprova livro de Matemática que contém erro grosseiro de aritmética. O que também é fato. Vá lá que seja um erro de digitação. Pior é saber que 200 mil exemplares têm uso proibido embora tenham sido distribuídos. Basta qualquer professor apontar o erro para os alunos e seguir em frente. Adoram jogar nosso dinheiro fora!

7. Chovo no molhado ou enxugo gelo como qualquer brasileiro: o custo da alimentação pesa mais sobre as famílias pobres. Assim, a tributação sobre o consumo se revela perversa e injusta. Ninguém faz nada para acabar com esse crime. Preferem bolsa-escambau, que é eleitoralmente utilíssima. A economia da pobreza que se lasque! Na lógica deletéria governamental, seu pirão vem primeiro - o do governo, claro! Governo não serve, é servido! Obedeça e não reclame, Zé Pereira!

8. No Brasil, a faca amola a lima, e estamos conversados!