Alguns insetos voadores
visitam meu céu doméstico. Não são bem-vindos, por isso sofrem solução
administrativa, sem clemência. Dos rasteiros, só aranhinhas são recebidas com
chá e torradas. Têm a virtude incomensurável de não serem espalhafatosas,
recebem de mim elegância e fidalguia. Há aqueles que nem vejo, por sua natureza
diminuta, estes ignoro, como também os absolutamente invisíveis que padecem na
fervura das águas, na engenharia do filtro, no sabão, sabonete e na pasta de
dentes. Não há cumprimento respeitoso possível; seres indistintos, que cuidem
de suas vidas. Ah, uma lagartixa formidável, muito de vez em quando, dá-me a
honra de sua passagem anual.
Há uma violeta que vive ofertando flores,
por isso é a mais festejada e paparicada - nasceu de minhas mãos. As outras
bordam seus verdes em brotos vaidosos, têm meu respeito, sem direito a
fotografias de aniversário. Assim minha casa recebe os viventes parceiros. Não
há outros, não existem mamíferos frequentes, que perigosos são, quando não,
carentes ou impertinentes como cobradores dos atrasados. Que fiquem lá fora,
distantes.
Como não há brisa nem raios do sol poente,
as luzes se apagam cedo e, depois da sopa,
o anfitrião eventual se recolhe a seu aposento para pouco dormir e muito
ler, a aguardar o manto de silêncio que sobre si recai ali pela meia-noite - a
hora abençoada e esperada no correr dos dias que mal ou bem me servem.
O mundo insuportável e seus estrondos, sua
barbárie cotidiana, seus automóveis, suas sirenes e seu sangue passam ao largo,
mas nunca deixam de derramar seu rastro de abominações pelas ruas. Luto em vão no
propósito de ignorá-lo, entretanto, tem seus meios cimérios de invadir, de qualquer
maneira, o repouso que me deve e nunca paga satisfatoriamente.
Olho os relógios possuído de contumaz
melancolia, porque sei o que me espera no espreguiçar da manhã: ventos
incógnitos e abismos sem aviso. Os ossos de meu esqueleto pouco me dizem, pouco
me alertam. E as aranhinhas não falam português.