quinta-feira, 27 de agosto de 2015


ELE MESMO

Se não fosse a toalha
A dizer-lhe o que bem
Desejava ouvir,
Almoçava sozinho.
Se não fosse o espelho
A revelar-lhe o outro
No mesmo,
Não via ninguém.
Se não fossem os sapatos
A calçar-lhe os pés
Caminhantes,
Andava sozinho.
Só, de fato,
Somente em ônibus
Quando levado para incertos destinos.
Companhia é coisa de loucos.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015


O POETA VERDADEIRO

Indagado sobre seu processo de criação, avançou sobre o jornalista medíocre:
- Caneta, folha em branco, óculos, cigarros, uísque e um mal-estar medonho.
- Mas por quê?
- Dor de dente.
- E?
- Sou meu próprio dentista.
- Sua arte não fica prejudicada?
- Ao contrário, melhora muito.

FOI ASSIM

Quando sua mãe
Morreu,
Esquentou a sopa.
A colher,
Em vez da boca,
O peito.
Desceu ao quintal da infância
E abraçou
As goiabeiras.
Daquela vez,
Deixou de mexer o doce no tacho.
Sujo de dor,
Dormir pra quê?
Acendeu um cigarro,
E sentou-se
Sobre seus escombros.

CONVICTO


Foi logo atritar-se com as portas. Começou pelas dobradiças. Detestava seus ruídos. Passou pelas fechaduras; emperradas sempre. E as pinturas descascavam. Xingou e passou sabão. Não satisfeito, emudeceu-se. As portas, em silêncio, nervosas, nunca mais se abriram. Ele, então, de raiva, fechou todas as janelas, avisou todas as torneiras, tirou o fone do gancho, apagou as luzes e adormeceu pela última e derradeira vez. A conspiração fora desmascarada.

FECHADO

E as noites.
O que perdi de mim
Esteve aí
Entre corredores vazios.
A que me alcei
Ficou entre nuvens,
Entre sonhos,
Largado nas mãos.
Então,
Tracei nos dedos
Um cajado, um caminho.
Cego, fui bebendo
As águas que ainda
Pingavam sobre os pianos.
Com insistência e pressa,
As formigas atravessaram os lençois
Sem me perguntar, sem conversar.
E as noites.