quarta-feira, 2 de dezembro de 2015


PARA O TODO ONTEM E SEMPRE
A Izolda

Lê-se pouca poesia. Há um motivo: como ela, na maioria das vezes, é de pequeno tamanho e provocadora de grande estranhamento, o “carro emperra”. O leitor raso não volta e abandona o parque. Lê como prosa e, atolado, não gosta. Mergulha no pior dos mundos: “O que ele quis dizer?” O território de Plutão, de fato. O escuro.

Por séculos, a poesia morou na casa da oralidade 
( num país de analfabetos funcionais, a força da canção brasileira). É relativamente recente lê-la em silêncio, com os olhos; perdeu, em muitos casos, os recursos que propiciavam a memorização, rimas e métrica. Às vezes, tornou-se gráfica, mas sempre um objeto verbal.

Partindo do princípio simplificador de que há três tipos de oralidade, entre outras simplificações, pensemos nelas: a “cancioneira” ( a de Homero talvez), canto e cadência; a de litanias memoráveis e repetitivas, orações e cantochão, hinários; a eloquente, “palco e plateia”, a se reproduzir em teatros e saraus: alambicada, verniz de sociedades estratificadas em aço, a nossa, mas não só. Ah, o bacharelismo  e sua "sonetice" patológica.

Depois que a leitura (não declamatória) para os analfabetos foi se universalizando pela escola e a mulher pôde, afinal, ler romances - um perigo! - “grosso modo”, abriu-se a porta do protofeminismo e, no pacote, o bovarismo. Poemas e canções de amor existiram desde sempre, escritos por homens; mais tarde, nossa canção adquiriu a grandeza que conhecemos: a de chuveiro, a namoradeira, a dançante... É do ser humano, em todos os tempos e lugares. Nossa canção adquiriu requintes da melhor poesia. A velha e conhecida oralidade. A gente passeia por aí, mas volta sempre pra casa.

Porém, a poesia, um ser delicado  finamente construído, perde leitores - as tiragens são pequenas, uma maçonaria. Na sociedade de hordas e manadas, tornou-se, para sua mazela, refinada, refinadíssima. E há poetas que a pioram em direção a cofres indevassáveis, a intertextualidade, poesia para poetas. Alguns cancionistas acabaram também com a canções de chuveiro como Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago. Perderam-se entre a história e egos imensos. Senhores da “media” e a molecada “diluidora”: violões simplórios e letrinhas espertas. A neorretórica de saraus contemporâneos. O mundo, em muita coisa, continua na mesma.

Um poema, lido uma só vez, nem bem se fez. É um feto de três meses. A cada leitura, mostra um palmo, vai aparecendo, até que, por um pouco mais, pede abandono; talvez se torne outro. Mais tarde, no espírito de um leitor sofisticado, o cristal multifacetado que ele é se apresenta na quase plenitude, inalcançável.
Para quem o escreve, não é diferente, por isso é inconcluso; alguém já disse que nunca é terminado, é abandonado - um poema é a celebração de um abandono. O leitor, o mesmo, a cada leitura, se refaz; o poema compartilha dessa viagem. Isso faz, de um texto, um clássico. Se bom, encantador, um poema nunca deve ser lido pela primeira e única vez, nem o dê por compreendido. Ele, como o leitor, será sempre incompleto. A condição para nos fazermos humanos, o caminho por onde os homens verdadeiros andam , para felicidade de alguns e infelicidade de outros.