quinta-feira, 20 de março de 2014


UMA VISITA FORMIDÁVEL

Dia desses, nessa fervura de março, estava sozinho no salão da biblioteca onde trabalho, lendo, mergulhado na leitura, no bem-bom. Subitamente, assustei-me com a zoada de meninas que invadiam meu sossego, sem as devidas licenças, como é dos maus hábitos da geração de hoje. “O que foi?”, “Olha ali!”, “O quê?!”, “O bicho invadiu a biblioteca”. Um frio subiu-me pelas costas. Pensei: pronto, tenho uma ratazana em meu ambiente. Chovera muito na noite anterior. Quando me virei, tive a mais grata surpresa: um lindo sabiá-laranjeira pousado no alto de uma das estantes.

Procurei não fazer nenhum barulho. Nessas ocasiões, o melhor a fazer é não assustar. E fiquei ali, em minha solidão, a admirá-lo, que é dos pássaros que mais aprecio. Com um sinal, pedi que as meninas fossem embora. O sabiá parecia estudar a melhor maneira de escapar daquele ambiente esquisito. Eu também fazia o mesmo. Como ajudá-lo sem que lhe causasse muito medo, pânico? Mas o sabiá, de repente, sumiu de meu horizonte. Ótimo! Ele soube como fugir.

Então me levantei e fui verificar. Não, ele apenas mudara de posição, para mais perto dos vidros - coisa mais estranha! Quando me viu, levantou voo e cruzou o salão na diagonal mais perfeita. Um reles pardal não faria isso. Era o que mais temia. Daquele lado, se conseguisse passar por uma das aberturas da janela, ficaria preso entre o alambrado de arame e os vidros. Do lado em que estava inicialmente, não havia arames de proteção, era só escapar por alguma passagem da abertura basculante. Ali, estaria perdido e engaiolado, sem entender nada.

Continuou a analisar a situação. Eu cada vez mais aflito. Assim, tomei uma decisão: vou tirá-lo dali de qualquer jeito, mesmo que venha a assustá-lo. Foi o que fiz, e deu certo. O sabiá cruzou de volta, naquela perfeita diagonal, o salão e retornou à posição inicial, no alto da estante. E dessa vez ele já havia entendido tudo. Bichinho esperto! Em poucos segundos, encontrou a forma de escape, enquanto eu assistia embevecido a tudo. E desapareceu no infinito de suas árvores, de seus azuis.

Voltei feliz para meu livro e minha solidão. Então, me deu um estalo: o que lia naquela manhã de tanto sossego? Um livro de um capixaba, grande amante de passarinhos: Rubem Braga. Coincidência? Talvez. O certo é que não houve, naqueles momentos, pertinência maior. Dali em diante, para mim, o Santo R.B./São Sabiá. Também sou dado a inofensivas tolices.

A.R. Falcão - março de 2014