sexta-feira, 21 de outubro de 2016


PENSANDO O INCOGNOSCÍVEL

Sobre isso não há novidade a dizer: o tempo e o espaço são tão abstratos que são como se não fossem, não existissem. Assim, o que é um lugar? Quando o lugar é? As pessoas confundem lugar com coisas que estão distribuídas de um certa forma num lugar. A matéria genericamente está num "onde" qualquer, mas o lugar mesmo, em si, onde está? Já sei: onde estão infinitos pontos. Mas o que é um ponto se são infinitos? Não têm medida. O ponto não é, sendo.

Tomam o tempo como medida do movimento. Para além da quantificação, da matéria (da matéria escura) e do espaço, o que vem a ser o tempo? Ele é pensado e percebido em sua natureza de um ser desconhecido, impensável e incognoscível que é – o enigma dos enigmas, como dizem. Notado nas coisas que se modificam, que não param de se modificar; indiretamente portanto, como se fosse o nada que se reflete no mundo, se impondo, como se existisse. Talvez exista mesmo, na forma informe do tempo e do espaço, ora!

No universo, houve um começo (será?), mas não o antes do começo, pois não havia o tempo nem seu inseparável parceiro,o espaço, que não deu o ar da cara pelo  não-ali. O que havia então? Havia o não-havia.

O que faço nessa interminável noite que acomoda, sobre meu ombros, a insônia de cada fio de cabelo? Os relógios conversam entre si, sem me dar a menor importância. A mariposa medita, num canto da parede, sobre a remota possibilidade de, um dia, ser quem sou e eu ser quem ela é. É seu singelo e secreto desejo. Eu sei. E assim coabitamos o quase escuro e o quase silêncio de nós mesmos, na fazenda dos bons sonhos que não nos querem visitar, enquanto ainda chove lá fora.


A. R. Falcão - outubro de 16

quinta-feira, 20 de outubro de 2016


DIANTE DA PORTA


Certamente, há substancial diferença entre "abrir a porta" e "querer abrir a porta". No primeiro caso, a ação pode se dar de modo mecânico ou involuntário, descolada de qualquer desejo, a chave de nosso enigma dilacerante. No segundo caso, o desejo é fator primordial para a ação, uma vez que supõe ânsia e satisfação. No primeiro, a porta aberta é consequência; no segundo, é realização. Angústia ausente, angústia presente. Num, o tempo não é sombra incontornável, é contingência; noutro, o tempo tonifica a amargura.

A rotina, a repetição acarretam movimentos desprovidos de escolha, de hesitação; nos jogam para a frente, no rio do tempo cronológico. O dilema (por quê?, quando?, como?) nos atira ao pântano do tempo interiorizado, matriz do desejo a ser ou não, violentado. O homem em sua essência humana, onde o relógio não conta.

A enormidade do número de gestos repetitivos e mecânicos da vida no trabalho embrutecedor (a maioria deles) oblitera o pensamento e abre as comportas da fome por entretenimento e evasão (consumo). O homem moderno, obcecado por saúde e boa qualidade de vida, tem, no horizonte, repouso ou produtividade? Se empregado, o primeiro é um para si; o segundo, um para outrem sobretudo. Aqui, cabe escolha como propalam por aí?


Não foi Guimarães Rosa quem disse ser a vida um "descuido prosseguido"? Troque "descuido" por "dilema". Não vai adiantar nada. Nossa miséria não nos aguarda, ela é presente e constante. Não fazemos escolhas, apostamos às cegas embora pareça que não; para, no fim, perdermos sempre, na forma de cinzas ou sob sete palmos de terra, quando nem mais somos. Basta sondar o acaso. Amém.