sexta-feira, 26 de julho de 2013

MIGALHAS, CISCOS E PÓ

Nessa madrugada, a solidão do galo cujos cantos não receberam respostas.
O descaminho da formiguinha que se perdeu da linha viva de suas parceiras.
Os destinos da lima e da banana que, recusadas, vão apodrecer únicas nos cantos das gôndolas.
O endereço do dente de leite que se perdeu nos ínfimos recônditos do chão.
A carta de amor nunca enviada que a mocinha esqueceu no ponto de ônibus.
O lençol branco com monogramas exclusivos, no quarto reservado pelos nubentes que despencaram  do céu na noite de ontem.
O falso documento de identidade de um tal Josias dos Santos, esquecido no banco da praça.
A última palavra escrita com aquela caneta, atirada ao piso da avenida central.
O passageiro que desapareceu no aeroporto, sem ter nunca chegado ou partido.
Um quarto de dicionário que retinha a atenção do mendigo à sombra do oiti.
O telefonema que, nesse instante, me recusei a atender.


SALVADOR – JULHO DE 2013

quarta-feira, 24 de julho de 2013

POR UM PIO

Dê ré a si.
Por um,
Um só.
Vá! Já!
Tal cá e lá,
É luz, é sol.
Se foi um, dois e três,
Lá, é dez! É mil!
De pé, a pé, no chão.
Se deu mar e céu,
Lá, dá mel e mais.
Lá, não mói os ais.
Se não vê nem tem
Dor ou dó,
Diz não.
Faz jus e vai.
Lá, a mó é vã.
Só cá não é.
Lá, as mãos são mãe.
Só cá não é. 
Vai!

Salvador – julho de 2013

terça-feira, 23 de julho de 2013

PREPOSIÇÕES


...numa espécie de limiar, entre a necessidade da escrita e a inutilidade da leitura. A forma mais expressiva da solidão em arte.

Sobre quais escombros edificarei meus traços e alinhavarei os fios de meus novelos incertos?

Contra quais muros surrarei as mãos em bacias de sangue retórico?

De cada noite reiniciada tomarei, às cegas, o travesseiro que me deixará mentir cada grão dos mingaus matinais.

Para a mesma direção, o caminho difuso que me trará de volta ao silêncio dos medos.

Aos lábios mordidos retribuirei com o frêmito da inutilidade dos dedos.

Por teimosia, me apaziguarei nos cinco cantos de meu quarto,

Para reagrupar os membros despedaçados e seguir em frente,

Num mover-se para sempre imóvel.

Salvador – julho de 2013

SAUDADES DE SALVADOR




A cidade nem me surpreende tanto em sua fisionomia degradada, como se estivesse num processo inexorável de queda.

Sobre o que se pisa (ou não, porque se pula), ruas e calçadas, buracos, poças permanentes, bueiros entupidos, veículos expulsando pedestres. O que se vê no alto são paredões que ocultam o sol, o céu, as nuvens. Edifícios “mudernos” e medonhos. A praga dos helicópteros ruidosos se anuncia insidiosa.

O que, de lata, se move é estapafúrdio. Para um visitante desavisado, a cidade é paradoxalmente dinâmica e próspera. Os automóveis, quase todos novos, não andam, afogados em engarrafamentos. A imagem é monótona: quase todos pratas, pretos e brancos. Há os poucos vermelhos, signo mundial de esportividade e juventude. Mas é um cenário nacional, que vivemos em tempo de manadas. Os condutores seguem atolados em dívidas e maquininhas.

Existem os humanos e os quase-humanos, progênitos da escravidão, amontoados nos pontos de ônibus (ou quase-ônibus, caindo aos pedaços). Vestem-se de modo andrajoso e você não sabe se é moda ou pobreza mesmo, os segmentos sociais se vestem do mesmo jeito, mudam apenas as etiquetas, verdadeiras ou falsas: tênis, chinelos, bermudas, camisetas e bonés (traje masculino); shortinhos, saltos e blusinhas sumárias (traje feminino)– ah, e as indefectíveis mochilas, porque são todos mateiros ou guerrilheiros (estampa de camuflagem). Bem, os penteados... Nenhum comentário a fazer.

Cenário humano arrematado por celulares nas mãos e fiozinhos de toda espécie. Ninguém olha pra nada ou ninguém. Formam a maioria dos sem-passeatas que não saem das ruas. Ah, há os cachorrinhos e suas bostinhas que colhem nossas distraídas solas. E os baianos parecem felizes e bovinamente resignados a uma cidade que não funciona mais para nenhum deles.

Apesar de tudo, a contrapelo da crônica impura, faço constar: o povo baiano, em geral, na urbanidade pedestre, é muito simpático. Penso no povo da rua, não, na classinha mediazinha com suas ostentações vulgares. Aquele ali que vende sua pimenta e sua rama de coentro sob o sol da manhã e, depois, toma sua cachaçazinha no “balcão do desespero”.

Entretanto, como Salvador tornou-se uma cidade complexa, a população, por seu atavismo, convive mal com as implicações daí decorrentes: as relações contratuais, as regras banais, os pactos civis de convivência urbana são claudicantes. Não existe eficiência nos serviços, todos ruins e lentos. Saí de uma farmácia para chorar na rua, literalmente. A mocinha do caixa não sabia fazer uma conta de somar. Uma série de governos baianos foi incapaz sequer de fazer uma linha de metrô. Contabilidade podre, licitações com o câncer de sempre. E ninguém, ninguém mesmo toca na seca do sertão, que segue destruindo o que, sob o sol, fica de frente. Salvador dá as costas para o raso do resto.

A classe média, pela estampa jovem, dirige bêbada, são boçais com os pedestres. O uniforme corpóreo é a estiva de butique. Da simpatia à arrogância, basta um motor e um volante. Doença nacional. Todos cantam e dançam a qualquer oportunidade, é a impressão que passa. Os incomodados que se virem. Uma farra permanente sobre os escombros de uma sociedade esgarçada, que não para de estrudar. É como abafar timbalada com Tom Jobim, numa guerra de decibéis. Uma sombra escura que desce da Brasília nefasta.

Sua privacidade, seu sossego de fim de semana, tudo é invadido por uma festa estridente e constante. Não há respeito cordial, não há delicadeza. Tudo é meio bruto.

Infeliz e rezingão sou eu. Nenhuma cidade grande me apraz. Acho que as saudades são de minha pequena e amontoada casa paulistana. Ali não há gente de maus modos. Não há gentes, com exceção de minha diabólica presença. Infelizmente, há espelho. É incontornável suportar minha precária humanidade. Sinto saudades de quê? Já nem sei mais. Acho que de meus livros, de meu escuro e silêncio.



Salvador – julho de 2013



O ESCÁRNIO FINAL
 (em chave escalafobética)

ROSÊ – Clínica de Internação Sem Fim.

ENDEREÇO: não temo endereços fixo. Coisa superada pelas comunidade virtuais. Não temos proprietário(as) nem CNPJ, coisas burguesa. Quem se aventurar, procura na esquina da Rua Ontem, s/n com a Praça Hoje, com acesso pelas alameda do Futuro, da Paz, Qualidade de Vida e Auto-estima. No Egito, na Tunísia, em Madrid, Atenas ou Nova Iorque.
Atendimento: a qualquer hora do dia ou da noite; em domicílio, sem horas marcada ou aviso préviu.
Alimentações Equilibrada: é um processo em discussões em processo. Pensamo, para os vandalu, em tofus, canola e sushis fartos, sem limite de consumo. Para os vegano(a), calango orgânico, salame, churrasco, sarapatel e galinha ao molho pardo. Para os outro comum, arroz, feijão e farinha com Fanta Uva. Temo nutricionistas(os) antenado(a).
Comunicação: oferecemo um smartphones  para cada internado(a), sem limite de conectividade patológica.
Regras de conduta: qualquer tentativa de quebra das norma, o meliante será cuidado por nosso programa de reeducação. Para isso, dispomo de inúmeros agente em postos-chave da cidade: igrejas, mesquitas, templos, terreiros, restaurantes de comida orgânica, bicicletários e passeios coletivo de oração e meditação.
Políticas Públicas: atentos(as) as iniciativa de inclusão, nossos internado(a) realizam, nos horário de pico, passeios pelos trem, metrô e ônibus. Catraca livre. Também frequenta as animadas festa das torcidas organizada.
Punições sem preconceito e violências: cela mantidas superlotada de militantes político ou minorias oprimida (em preparação de passeata – pra isso agente liberamo). Os internado são obrigado a ouvir, por um dia corridos, discursos do Lula e da Dilma com fundo musical de Michel Teló, que é cantado pelas tropa de choque da PM – “Ai se eu te pego”. As cela são climatizada: 35º Celsius, umidade relativa do ar 98%, 120 decibéis de som-ambiente – é pra manter o fervor participativo aceso. Tudo com supervisão do PCC.
Indumentárias de uso obrigatórios: tênis (chinelo também pode), bermuda, camiseta, mochila para roupas íntima, barra de cereais orgânico, GPS, essas coisa e boné vermelho. Toleramo máscara. Pra dias mais frio, moleton com capuz – qualquer cor.
Leituras matinal: Marcelo Rossi, Che Guevara, Paulo Coelho, Gabriel Chalita, Fábio Melo, C. Baxter Kruger PHD., Augusto Cury, Dalai Lama e muitos outro.
Audição dasaurora: ordem unida e Hino Nacional integral com vigilância de leitura labial.
Visitas dominical: católicos(as) carismático(a), aiatolás, mulahs, xamã, mago(a), vampiro(a), feiticeiro(a) genérico(a), pai (mãe também) de santo, evangélicos(as), líderes partidário, padres (freiras também)canoro, gurus ioga e picaretas oriental em geral.
Especial de Natal: cantos e hinos em versão funk, hap, sertanejo, pagode, forró universitário. Em latim, para fanáticos(as) excluído(a). Bem povão mesmo.
Choque de realidades: visitas mensais ao Instituto Médico Legal e presença em tiroteios de favela ou periferia.
Descriminação: após exaustiva pesquisas ouvindo o clamor das rua e estrada, resolvemo impedir as frequência das zelite e tiozinho(a). Por humanidade, reservamo um salão para músicas de Mozart, Vila-Lobos, Djavan, Altemar Dutra, Roberto Carlos, Fafá de Belém e outros da boa idade (vivos ou mortos), palestras de Paulo Maluf, José Dirceu, Renan Calheiros e José Sarney – tudo em telão dos grande e 3D. Nossa comunidades é singela, formada somente de jovens universitário(a). Preparamo o internado(a) de hoje para os(as) manifestante de amanhã.


NOSSO LEMA: SÓ AS SOMA DAS MINORIA OPRIMIDA FORMA AS MAIORIA DE ESCOL. Contamos com os caloroso apoios dos vandalu, moradores de rua, homosafetivo (as), cross-dress, pastores(as) evangélico(a), veganu, Congresso Nacional e os PPP (preto(a), pobre e prostituta(o). Índio(a), brancos(as), amarelo(a). Todos umanu e oprimidos(as) explorado(a). Como já dizia o Barão de Itararé, “Conosco ninguém podemos”. Pegue essa onda, venha pra rua você também: o Brasil acordou!