quinta-feira, 28 de outubro de 2010

NÃO VALE QUANTO PESA


Algo me intriga no modo como o jornalismo brasileiro trata calamidades e tragédias várias. Quando noticiam algo assim: “Nesta madrugada, a Indonésia foi atingida por um terremoto com intensidade de 7.5 na escala Richter. Computaram-se, até as 12h, horário de Brasília, 182 mortos; entres eles, um bebê de 8 meses”. Eis minha perplexidade: por que o destaque para este bebê? Como pesa menos, vale mais? Por ser um neófito nas agruras e no imponderável da vida? Toda vida é sagrada ou a do bebê é mais sagrada? Sua vida é mais importante que a de um adolescente, um adulto ou um velho? É um protesto contra a Natureza e sua feroz indiferença? Contra o Deus? Já estou até ouvindo: “- Coitadinho! Tão novo, tão indefeso, tão inocente!” O objetivo é comover como música em filmes de Spielberg? Por que não colocam logo um choro infantil de fundo? Tem algo a ver com “Deixai as crianças e não as impeçais de virem a mim, pois delas é o Reino dos Céus.” (Mateus 19) Então, não há o que lamentar; estão livres do pecado. Alguém pode pensar em karma, destino. Neste caso, está sendo exposta uma visão cristã, espírita do evento? Onde fica a isenção?

Esse destaque não passa de idiotice atávica. Só se justificaria se, em vez de um cataclismo, tivesse ocorrido um crime bárbaro pela mão do homem. Assim, teríamos a dimensão aproximada da crueldade humana pelas mãos de um fanático religioso, político, um frio assassino, desses que estão por aí, no Brasil e em todos os lugares. Imagine algo assim: “Nesta madrugada, um adolescente de 14 anos assassinou brutalmente uma família. Entre os mortos, um idoso de 98 anos.” Ignore o adolescente (é uma banalidade) e atenha-se ao destaque para o idoso. Muito improvável. Velho é uma coisa inútil mesmo. No fundo, não é assim que pensam? E viva a hipocrisia!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

PERVERSIDADE

Muito já se escreveu sobre o dinheiro. Não tenho a pretensão de acrescentar algo inusitado e pertinente, apenas lamentos e desabafos na forma de crônica mal humorada. Computador meu, cabeça oca minha.

A busca de dinheiro bastante para vivermos com relativa dignidade burguesa consome nossa vida. Ele é central e mortal. Está configurado o absurdo em seu estado bruto.

Não me dou bem com ele; o uso com raiva; trabalho com raiva quando me vejo reduzido a um caçador de salário; consumiu-me toda a vida adulta, que já vai pela bola sete. A pouca arte que crio nunca me deu dinheiro algum. Acabo dando. Porque me pedem ou porque ofereço. Nunca me perguntam quanto custa. Gerente de banco não passa de um quitandeiro perverso, que, em vez de batatas, vende dinheiro a preços escorchantes.

Não vejo mesmo sentido algum na vida, essa que a humanidade consome nas cidades, correndo atrás de dinheiro. Como galinha, acorda bicando e ciscando, e vai assim até o anoitecer. Esta ausência de sentido, inefável e intangível, não me incomoda tanto; assim como o mistério do universo. Não sinto a menor falta de deus (-es) ou mesmo de fé; apesar de concordar com Woody Allen, para quem os adeptos de crenças parecem (ou são) mais felizes. Felicidade não é coisa que me interesse. O prazer anda por aí; às vezes, nos encontramos.

O dinheiro desencadeia obsessões aterradoras, mas também favorece a conquista de alguns prazeres adquiríveis, confessáveis ou inconfessáveis. Enfureço-me quando sei que, sem ele, não há sobrevivência. O escambo está fora de ordem, como sabemos. O dinheiro toma contornos de autoridade. Para mim, não há autoridade legítima, confiável. Consumada numa pessoa ou abstrata. Nenhuma. Desconfio, duvido, desautorizo e me armo. A hierarquia é uma fabulação sinistra.

Prefiro a noção de que as pessoas têm tarefas autoimpostas a cumprir em momentos passageiros, curtos ou demasiadamente longos. São tarefas diferentes e complementares entre membros de um mesmo projeto instituído. O que não implica sobrepujança de uns sobre os outros. Noção inútil nas relações de trabalho que nos são impostas. O “Eu mando, você obedece” resulta em mecânica que, em algum momento, vai azedar.

O dinheiro, em sua forma mais pedestre, mero meio de pagamento de produtos e serviços, não existe na dimensão empírica de nossa vida acentuadamente urbana. É meio que vaza para fim, num piscar; em simbiose neurótica que, à maneira de um stand-by, antecede a demência. Esta, como o prazer, também está por aí em 69 prestações. Os encontros são profícuos em sua incerteza perversa. Parece que o desejo não nos faz muito bem, ou nunca sabemos como lidar com ele. Para piorar, o dinheiro vem transfigurado em sua sombra, na forma de dívidas intermináveis. Diante da necessidade e do desejo, o bicho-homem insiste nos dois; muitos insatisfeitos, poucos cinicamente obesos.