quinta-feira, 9 de agosto de 2007



Memória escolar

Minhas primeiras duas lembranças: a inicial, na fase que corresponde ao que se chama hoje de pré-escola, um sentimento de repulsa à ordem, para mim nova, estranha e muito desconfortável, necessária à organização de um grupo de crianças – estas eu conhecia de outras situações, porque pertenciam ao meu grupo de convivência social; falar em classe, como pensei em fazê-lo, não cabe aqui nem ali. Estávamos em meados dos anos 50.

Eram meus amigos de brincadeiras, festas, visitas familiares e de convívio franco em outros lugares, como as ruas da infância interiorana. O mais surpreendente para mim foi estarmos juntos numa situação diferente em que um adulto nos dirigia em tudo.

Um dado muito peculiar: o adulto era minha própria mãe; o que, é evidente, provocava mais outro e indigesto estranhamento. Na escola, minha mãe não era minha mãe. Era, então, muito esquisito. Suponho que esta experiência tenha fundado em mim uma consciência extremamente forte – degenerada em angústia - sobre a ambigüidade de qualquer autoridade instituída, e da ambigüidade especular em que eu precisava nadar para ser filho da professora (daquela autoridade), não sendo. Diante de meus amigos (agora colegas) o que (quem não cabe) eu era? E eles, ali, o que eram?

Ficou, nessa primeira fase, o seguinte: eu não podia falhar, por duplo ( ou qualquer outro múltiplo de maior valor) motivo. Na pré-escola (pré-primário) por exemplo, eu odiava atividades com tecelagem em papel, tinha um colega japonês (o nome dele era Nelsinho – não esqueço) que as realizava com paciência e perfeição, enquanto eu as rasgava em fúria e sentimento de fracasso.

A segunda lembrança: no primeiro dia de aula, no primeiro ano primário, antes que a aula começasse, estávamos todas as crianças no pátio, que era mais um quintal da escola – o chão era de terra batida e mal forrado de capim de burro, uma graminha fina, rala e vagabunda que nascia como o sol - (espaço muito conhecido para mim, porque era onde meu pai freqüentava a Loja Maçônica; onde, diziam todas as crianças, era venerado um bode preto – meu pai fazendo isso?).

Ali e naqueles momentos, em que me senti pela primeira vez só, eu e as pessoas da cidade que era o meu mundo; eu frente (ou contra?) o mundo que era minha cidade, sem minha família presente, embora minha irmã também estivesse ali numa série seqüente, naquele pátio. Curiosa lembrança: parece, hoje, que minha irmã nunca estudou na mesma escola.

Ali eu paguei um preço diferente por ser filho de quem eu era: tive que travar minha primeira briga pública, violenta e com platéia, para provar que sendo filho de quem eu era, não poderia ser fraco. Foi contra um menino de quem, hoje, não me lembro, mas, então, o conhecia de nome e fama. Eu precisava bater. E bati com fúria guardada.

Na primeira aula, em escola pública, eu entrei chorando, emocionalmente abalado. Acho que a escola não tem nada a ver com isso. Uma mistura de orgulho pela vitória na briga que todos viram com uma culpa pela humilhação do adversário me fizeram não prestar atenção ao que a professora (Dona Soledade) dizia.

Aprendi, de cara, que a escola padece de esquizofrenia: é um lugar e um tempo fora de lugar e do tempo, como estando entre parênteses na vida. A gente deseja o recreio ou o último sinal para voltar à vida. As instituições nos fazem isso: o desejo permanente de estar fora delas. Para mim, tem sido assim.

Um comentário:

Rodrigo M. Freire disse...

Gostei muito da metáfora sobre as instituições: "...parênteses...". Vir aqui... indicou-me o Rubens, amigo seu desde "alguns" anos atrás. Disse que eu ía gostar. Teve razão.
Estou aqui fucinhando anacronicamente.

Queria ser seguidor do seu site, mas vc não disponibiliza esta ferramenta. Embora eu entre bem menos, agora, no blogspot seria um jeito que simplificaria... Entro menos, é que tenho um site no multiply no qual sou mais ativo.