terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Encontro

Lendo a Piauí de nº10, deparei-me com algo que me comoveu muito. Um(a) jornalista de nome Gene Weingarten resolveu fazer uma experiência curiosa: propôs a um grande violinista internacional que, como incógnito, ficasse numa estação de metrô, em Washington, tocando, como aqueles miseráveis típicos, atrás de uns trocados, peças fantásticas do repertório da música erudita. O propósito era avaliar a relação e a sensibilidade do transeunte comum face à beleza - como ela pode ser percebida no turbilhão urbano.
A reportagem é primorosa. Mas há uma coisa interessante; que é também uma analogia possível que faço por minha própria conta e risco. O texto jornalístico, claro, você o lê ao correr das linhas e segue o que é o conteúdo central da matéria. Sem se dar conta que, às margens dessa reportagem, há poemas belíssimos traduzidos por Millôr Fernandes - acho que o poeta é de Israel, nascido na Alemanha e falecido em 2000. Millôr o traduziu do inglês.
Nós, leitores, se distraídos, passamos pelos poemas como aquelas pessoas passavam desatentas em relação à música de Joshua Bell, um grande; de forma que há uma perfeita isonomia entre o que aconteceu em Washington e aquilo que se deu com nossa leitura apressada. Vamos a dois poemas que ,se fossem canções, seria muito recomendável declamá-los, no box do banheiro com o chuveiro desligado, por óbvio e certamente molhados por lágrimas e sem o uso do sabonete:


Nossa História

Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península.
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros.


O Que Aprendi nas Guerras

O que eu aprendi nas guerras
A marchar no ritmo de braços e pernas
Como bombas bombeando um poço vazio.

A marchar numa fila e sozinho no meio,
A enterrar em travesseiros,
Colchões de penas,
O corpo de uma mulher amada.
E a gritar "mamãe"
Quando ela não pode ouvir,
E a gritar por "deus"
Quando eu não creio nele,
E mesmo que acreditasse nele,
Eu não lhe falaria sobre a guerra,
Como a uma criança não se fala
Dos horrores adultos.

Que mais eu aprendi...
Aprendi
A reservar um caminho para a retirada.
Em terras estrangeiras,
Alugar um quarto em hotel
Perto do aeroporto ou da estação de trem.
E mesmo em cerimônias nupciais
Ficar sempre de olho na pequena porta
Com o sinal "exit" em letras vermelhas.

Uma batalha começa
Como tambores rítmicos para dança e termina
Com uma "retirada ao amanhecer".
Amor proibido
Algumas vezes também começa e acaba assim.

Mas acima de tudo,
Aprendi a sabedoria da camuflagem,
Não ficar visível, não ser reconhecido,
Não me distinguir daquilo que me cerca,
Nem mesmo de quem amo.
Que pensem que sou uma moita
Ou um carneiro,
Uma árvore, a sombra de uma árvore,
Uma cerca viva, uma pedra morta,
Uma casa, o canto de uma casa.

Se eu fosse um profeta
Teria diminuído o brilho da visão
Escurecido minha fé com papel negro

E quando chegar meu tempo,
Endossarei a camuflagem de gala do meu fim:
Com branco de nuvens, bastante azul de céu
E estrelas infinitas.

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