terça-feira, 28 de outubro de 2008


ELUCUBRAÇÕES


1. Velha conversa, O Choque das Raças ou O Presidente Negro (1926) de Monteiro Lobato e Obama (2008) me fazem pensar no seguinte:

Não acredito que a arte antecipe o futuro, ou seja lá o que isto for. O artista é apenas um investigador da vida e do mundo, construindo objetos verbais, visuais, táteis, sonoros - seus meios de conhecimento. Contumaz. O que o aproxima dos loucos.

O "futuro" está aqui e em todo lugar. Em sua obsessão investigativa, o artista, em algumas ocasiões, toma veredas e desvios, que nem mesmo ele sabe onde vão dar. Descobre-se em alguns lugares incógnitos, não-presenciados pelo vulgo, mas que estão aí, em toda parte. Isso deita luz sobre a aura de incompreendido que o cerca; às vezes, o condena. Mais tarde (anos, décadas ou mais), os outros acabam também chegando lá (ou aqui), por outros meios. Chamemos esses lugares de sítios-futuros ou sítios-indevassados, se for conveniente assim. E cola-se, no artista, o broche de visionário - no extremo, bruxo. Ele é apenas irremediavelmente inquieto.

O que caracteriza a personalidade artística, para além das esquisitices que lhe atribuem, é a obsessão. Um comportamento que, às vezes, lhe entrega, de bandeja, a excelência. É quando o artista pode ser feliz. O caçador finalmente diante da caça rendida e possuída. Não é de surpreender que alguns artistas sejam também compulsivos em procedimentos prosaicos de sua vida cotidiana: gula, alcoolismo, sexo etc. Atitudes que freqüentemente acabam matando-o ou imobilizando-o.

A arte não é visionária; ela se faz daquela curiosidade que nos transporta ao espaço-tempo para o todo presente - o que está na cara de quem busca ver e vê.

2. Sobre as aporrinhações onipresentes da mente bovina, auto-estima e qualidade de vida, tenho a dizer:

Entre tantas outras coisas, o medo e a dor caracterizam a vida. Este par nos presenteia com a força incontrastável da auto-preservação, que é involuntária. Apresenta-nos, desde sempre, à finitude e à impermanência. Outras duas das outras coisas caracterizadoras.

Estamos condenados a um estado sempre alerta, farejando presenças estranhas e indesejadas; efetivas ou fantasmáticas. O medo.

Como se não bastasse, nosso corpo permite apenas contatos inevitáveis (o ar, a água, o calor, o frio e o alimento) ou desejados - conduzidos pelo prazer. Para aqueles inesperados, invasivos, o corpo nos arma com a dor. Sem ela, nossa vulnerabilidade cresceria exponencialmente.

O nascimento é o instante em que nos defrontamos com o acaso e o imponderável da existência orgânica num mundo inóspito, virgem de nós mesmos. Trauma primeiro.

A felicidade é parecida com certa impressão de repouso, que é ilusória, de desejo satisfeito e abastecimento garantido - a vida intra-uterina. Por isso é fugaz, impermanente. Por isso é associada a comida, sexo, equilíbrio térmico e saúde.

Seu lugar por excelência é a perfeição (em seu sentido original), o concluído, onde não sobra espaço e instante para o medo (alerta) e a dor (repulsa). A felicidade é, para nós vivos, própria da morte. O cadáver repousa pronto, perfeito - o animal acabado. Estranho, mas tão familiar que prefirimos virar o rosto. É insuportável sabê-lo; desalentador que, não mais humano, o cadáver se desmancha e continua. A instabilidade é incontrolável.

Viver em busca da felicidade é uma maneira de se apequenar diante de sua impossibilidade desafiadora e permanente. Deixe-a em paz. Experimente privar-se de deuses e abraçar o mistério - a sua natureza essencial. Pare de brincar de casinha a vida inteira.

"Quando o pensamento se faz engenharia da vida, sempre fica idiota porque tem de mentir. Ou se transforma em assassino sistemático, como prova a história contemporânea." *

Parece-me que é por aí.


* Luiz Felipe Pondé

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