quarta-feira, 26 de maio de 2010

ALGO ASSIM

A casa, toda ela. Em seu interior, cada um dos membros do par de sapatos se recusava a manter-se paralelamente sobre o piso frio que se estendia três metros para cada lado. No direito, a porta desmanchava-se em pó, por arte dos cupins. Ele amontoava-se no limite que separava o piso do assoalho desbotado pelo lençol de água que penetrava, insidioso, a sala por sob a porta de entrada, envolta por um umbral, também ele dissolvendo-se por cupins. Entretanto, o pó era depositado no corredor externo, formado por um piso também frio.

O apartamento - chamado, em certas ocasiões, de casa - anunciava seu fim ao par abandonado e teimoso de calçados. A presença humana, há muito, deixara sua marca ali. Ela, por nunca ter sido narrada ou pronunciada, pode ser admitida como inexistente. Pouco importa no frigir das sardinhas.

A teimosia é que assinalava o fluir do tempo. Um tempo que não servia como medida de movimento. Apenas mera companhia do silêncio que a tudo dominava.

Sabiamente, os cupins largavam vestígios de seu incansável e oculto labor de maneira aleatória. Constituíam presença intermitente. Evanescência talvez seja a melhor palavra para o que aludia a uma improvável existência - os montinhos de pó gostavam de se ausentar em certas longas épocas, quando então a casa, ela toda, volatilizava-se. Muda e impenetrável. Definitivamente, plena do vazio de si. E de mais não carecia.

Nenhum comentário: