MAIS OU MENOS DE BEM COM A VIDA
Um fim de semana banal no município de Cipó de Baixo, no sertão baiano.
Cleilde saiu feliz do consultório dentário naquela tarde de sábado. Finalmente se livrara de uma boca medonha que, há anos, a impedia de ir a festejos, cerimônias e passeios em grupo. Seria, finalmente, uma mulher do mundo.
Foi em trote veloz mostrar a dentadura novinha, brilhante e completa à família e aos vizinhos.
Mas nada se deu como imaginou: do sorriso armado à risada larga e espontânea, o desastre a surpreendeu, atirando-a num ridículo só. De dar pena. Cleilde era choro inteira.
A indignação tomou conta de todos. Ela deveria procurar o dentista e reclamar daquele armengue inadmissível. E foi o que fez na manhã seguinte.
Dr. Alberto e sua sogra proseavam sentados em frente à casa, aproveitando a folga dominical, a sombra e o cigarrinho de toda hora. Cleilde e sua única irmã, Dulcinha, se aproximaram em paços de nuvens. Dr. Alberto, matreiro, percebeu de longe a visita e a encrenca, adiantou-se logo:
- Cleilde, a que devo a nobre visita? Está confortável com os dentes novos?
Do fundo de seu acanhamento, um fantasma de voz respondeu:
- Não, Senhor.
- Por que, Cleilde? Todas aquelas provas não serviram?
- Serviram.
- Mas então o que foi? Pelo que vejo, está tubo bem.
- Não é isso, seu Alberto. É que toda vez que dou um riso mais acentuado a dentadura cai – Ela disse isso séria, mais acanhada ainda. Mas, para piorar, o dentista e a sogra não contiveram a gargalhada.Ela trancou-se em silêncio e ficou olhando para os dois, desarvorada.
Dr. Alberto, sem manifestar qualquer perturbação, pôs, de pronto, fim ao problema:
- Cleilde, não se preocupe. É que você não sabe, mas está fazendo a coisa errada. Com a chapa nova, você tem é que gargalhar com a boca virada pro céu. Pode acreditar, ela nunca mais vai cair.
Cleilde, surpresa com a simplicidade da solução, se despediu e afastou-se, agora (não de todo) conformada. O dentista acendeu outro cigarrinho, disse qualquer coisa que fez a sogra gargalhar; e as duas irmãs, já em distância segura, deram também suas risadas. Uma delas, de um modo meio estranho. E o domingo seguiu; chato à tarde e triste pela noite adentro.
Janeiro de 2011
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
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Um comentário:
De Cipó ao Mundo
Chacoalhar o OUTRO diante de suas dificuldades e fragilidade é um traço forte da crueldade humana.
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