quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

                       

                     ISTO E AQUILO

Os brancos desenham as palavras porque seu pensamento é cheio de esquecimento. [Davi Kopenawa Yanomami]

Se a palavra que você vai pronunciar não é mais bela que o silêncio, não a pronuncie. [Preceito sufi]


Nessa madrugada, na parede de meu quarto escuro, projetou-se um retângulo de luz que, em intervalos regulares, surgia e desaparecia. A princípio, instigante. Depois, descobri: é que meu vizinho, em outro edifício, acendeu um abajur e manteve a janela ligeiramente aberta, de forma que a cortina se movia com a força da brisa noturna, cortando a luz e forjando um pisca-pisca.
 
Penso nas palavras que designam e nas coisas mesmas. É uma situação análoga: a imagem em minha parede fez as vezes de um signo linguístico; a luz do abajur, a cortina embalada, a brisa, tudo é o referente. A distância que os aproxima e separa - signo e referente - é uma encrenca que sempre amofinou o homem, dono da boca e dos olhos que veem.
 
Eis a curiosa imprecisão de que ele se serve para sondar o indizível e, assim, enformar, no verbo, o possível entre a voz silente e o silêncio audível - a palavra escrita. A matéria do poema e do referente inalcançável. Um dormir na escuridão da manhã, no intervalo da palavra para a coisa.

                                                                                                                                                     A. R. Falcão - janeiro de 2015

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