A Izolda
Lê-se pouca poesia. Há um motivo: como ela,
na maioria das vezes, é de pequeno tamanho e provocadora de grande
estranhamento, o “carro emperra”. O leitor raso não volta e abandona o parque.
Lê como prosa e, atolado, não gosta. Mergulha no pior dos mundos: “O que ele
quis dizer?” O território de Plutão, de fato. O escuro.
Por séculos, a poesia morou na casa da
oralidade
( num país de analfabetos funcionais, a força da canção brasileira). É relativamente recente lê-la em silêncio, com os olhos; perdeu, em muitos casos, os recursos que propiciavam a memorização, rimas e métrica. Às vezes, tornou-se gráfica, mas sempre um objeto verbal.
( num país de analfabetos funcionais, a força da canção brasileira). É relativamente recente lê-la em silêncio, com os olhos; perdeu, em muitos casos, os recursos que propiciavam a memorização, rimas e métrica. Às vezes, tornou-se gráfica, mas sempre um objeto verbal.
Partindo do princípio simplificador de que há
três tipos de oralidade, entre outras simplificações, pensemos nelas: a
“cancioneira” ( a de Homero talvez), canto e cadência; a de litanias memoráveis
e repetitivas, orações e cantochão, hinários; a eloquente, “palco e plateia”, a se
reproduzir em teatros e saraus: alambicada, verniz de sociedades estratificadas
em aço, a nossa, mas não só. Ah, o bacharelismo e sua "sonetice" patológica.
Depois que a leitura (não declamatória) para
os analfabetos foi se universalizando pela escola e a mulher pôde, afinal, ler
romances - um perigo! - “grosso
modo”, abriu-se a porta do
protofeminismo e, no pacote, o bovarismo. Poemas e canções de amor existiram
desde sempre, escritos por homens; mais tarde, nossa canção adquiriu a grandeza
que conhecemos: a de chuveiro, a namoradeira, a dançante... É do ser humano, em
todos os tempos e lugares. Nossa canção adquiriu requintes da melhor poesia. A
velha e conhecida oralidade. A gente passeia por aí, mas volta sempre pra casa.
Porém, a poesia, um ser delicado finamente construído, perde leitores - as
tiragens são pequenas, uma maçonaria. Na sociedade de hordas e manadas,
tornou-se, para sua mazela, refinada, refinadíssima. E há poetas que a pioram
em direção a cofres indevassáveis, a intertextualidade, poesia para poetas.
Alguns cancionistas acabaram também com a canções de chuveiro como Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago.
Perderam-se entre a história e egos imensos. Senhores da “media” e a molecada
“diluidora”: violões simplórios e letrinhas espertas. A neorretórica de saraus
contemporâneos. O mundo, em muita coisa, continua na mesma.
Um poema, lido uma só vez, nem bem se fez. É
um feto de três meses. A cada leitura, mostra um palmo, vai aparecendo, até
que, por um pouco mais, pede abandono; talvez se torne outro. Mais tarde, no
espírito de um leitor sofisticado, o cristal multifacetado que ele é se
apresenta na quase plenitude, inalcançável.
Para quem o escreve, não é diferente, por
isso é inconcluso; alguém já disse que nunca é terminado, é abandonado - um
poema é a celebração de um abandono. O leitor, o mesmo, a cada leitura, se
refaz; o poema compartilha dessa viagem. Isso faz, de um texto, um clássico. Se bom, encantador, um poema
nunca deve ser lido pela primeira e única vez, nem o dê por compreendido. Ele,
como o leitor, será sempre incompleto. A condição para nos fazermos humanos, o
caminho por onde os homens verdadeiros andam , para felicidade de alguns e
infelicidade de outros.
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