DIANTE DA PORTA
Certamente, há substancial diferença
entre "abrir a porta" e "querer abrir a porta". No primeiro
caso, a ação pode se dar de modo mecânico ou involuntário, descolada de
qualquer desejo, a chave de nosso enigma dilacerante. No segundo caso, o desejo
é fator primordial para a ação, uma vez que supõe ânsia e satisfação. No
primeiro, a porta aberta é consequência; no segundo, é realização. Angústia
ausente, angústia presente. Num, o tempo não é sombra incontornável, é
contingência; noutro, o tempo tonifica a amargura.
A rotina, a repetição acarretam
movimentos desprovidos de escolha, de hesitação; nos jogam para a frente, no
rio do tempo cronológico. O dilema (por quê?, quando?, como?) nos atira ao
pântano do tempo interiorizado, matriz do desejo a ser ou não, violentado. O
homem em sua essência humana, onde o relógio não conta.
A enormidade do número de gestos
repetitivos e mecânicos da vida no trabalho embrutecedor (a maioria deles)
oblitera o pensamento e abre as comportas da fome por entretenimento e evasão
(consumo). O homem moderno, obcecado por saúde e boa qualidade de vida, tem, no
horizonte, repouso ou produtividade? Se empregado, o primeiro é um para si;
o segundo, um para outrem sobretudo. Aqui, cabe escolha como propalam
por aí?
Não foi Guimarães Rosa quem disse ser
a vida um "descuido prosseguido"? Troque "descuido" por
"dilema". Não vai adiantar nada. Nossa miséria não nos aguarda, ela é
presente e constante. Não fazemos escolhas, apostamos às cegas embora pareça
que não; para, no fim, perdermos sempre, na forma de cinzas ou sob sete palmos
de terra, quando nem mais somos. Basta sondar o acaso. Amém.
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