quinta-feira, 20 de outubro de 2016


DIANTE DA PORTA


Certamente, há substancial diferença entre "abrir a porta" e "querer abrir a porta". No primeiro caso, a ação pode se dar de modo mecânico ou involuntário, descolada de qualquer desejo, a chave de nosso enigma dilacerante. No segundo caso, o desejo é fator primordial para a ação, uma vez que supõe ânsia e satisfação. No primeiro, a porta aberta é consequência; no segundo, é realização. Angústia ausente, angústia presente. Num, o tempo não é sombra incontornável, é contingência; noutro, o tempo tonifica a amargura.

A rotina, a repetição acarretam movimentos desprovidos de escolha, de hesitação; nos jogam para a frente, no rio do tempo cronológico. O dilema (por quê?, quando?, como?) nos atira ao pântano do tempo interiorizado, matriz do desejo a ser ou não, violentado. O homem em sua essência humana, onde o relógio não conta.

A enormidade do número de gestos repetitivos e mecânicos da vida no trabalho embrutecedor (a maioria deles) oblitera o pensamento e abre as comportas da fome por entretenimento e evasão (consumo). O homem moderno, obcecado por saúde e boa qualidade de vida, tem, no horizonte, repouso ou produtividade? Se empregado, o primeiro é um para si; o segundo, um para outrem sobretudo. Aqui, cabe escolha como propalam por aí?


Não foi Guimarães Rosa quem disse ser a vida um "descuido prosseguido"? Troque "descuido" por "dilema". Não vai adiantar nada. Nossa miséria não nos aguarda, ela é presente e constante. Não fazemos escolhas, apostamos às cegas embora pareça que não; para, no fim, perdermos sempre, na forma de cinzas ou sob sete palmos de terra, quando nem mais somos. Basta sondar o acaso. Amém.

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