sexta-feira, 24 de julho de 2009

SIMULAÇÃO E COMODIDADE

O homem é um animal simulador. Inúmeras de suas atividades encobrem outras que se fazem em seu interior sem que ele se dê conta de imediato. Muitos véus encobrem o leito do rio. É um jogo solitário, uma brincadeira de estar-se cego por conveniência; para que seja suportável o simples ser e estar. Não ocorre com outros animais. Faz a nossa diferença, entre outras coisas. Sem considerar, pelo menos aqui, símiles e espelhos.

Essas multidões que correm em círculo como ratos de laboratório, desejando chegar ao estado "ótimo" do próprio corpo querem o que afinal? serem melhores escravos? mais duradouros? consumidores por mais tempo, imbuídos da certeza de que nada lhes vai acontecer? Nenhum acidente, nenhum imprevisto no curso da vida, como se soubessem data e hora de seu fim? Ou protelam-no por uma permanente promessa de existência em gozo? Velhice em gozo? Que sabem de antemão sobre sua própria velhice? Eu me pergunto: por que e pra que correm tanto?

O homem não foi feito para correr assim. Corre-se em fuga de um perigo; corre-se em busca de algo que não lhe pode escapar. As corridas obsedantes simulam isso para um corpo enganado. Em quaisquer outras ocasiões, o corpo caminha e repousa. E a vida segue.

Os esportes coletivos divertem enquanto simulam batalhas. Não basta brincar, é preciso vencer o outro, derrotá-lo de modo humilhante se for o caso. Os atletas simulam gladiadores, que simulam soldados em guerra real. Paixões na fúria de um misturador industrial - torcidas aos berros, munidas de pau e facas. Os estádios não mentem.

Essas atividades são as mais visivelmente idiotas. Mas há as nobres. A necessidade humana de narrativas, em suas mais variadas formas, não são, no fundo, simulações de outras vidas, ocupações de outros espaços e tempos que não os nossos cotidianos?

Um jantar caro eventual, pago com economias amealhadas, às vezes, com sacrifício não é a simulação de um conforto e prazer raros, próprios de grupos sociais muito acima e distantes de seus comensais?

A conversa no telefone (fixo ou móvel), o diálogo em sites de relacionamento, não simulam uma presença?

Cirurgias plásticas que simulam juvenilidades de araque, grotescas e deprimentes. A ampliação do aparato tecnológico só faz estender as formas de simulação. Os jogos eletrônicos o que são? 3D o que é? O onanismo?

O homem simula para dissimular sua verdeira natureza. Ser irremediavelmente tolo, perdido e só diante da falta de sentido da vida, que parece ser a permanente busca de uma acomodação perdida em sua origem. A religião, essa perigosa e monumental atividade humana, faz o quê? Não simula uma vida e morte explicadas, no entanto inexistentes de fato? A comodidade da vida uterina, perdida no nascimento, é a obsessão inarredável ao longo de todos os nossos movimentos, físicos e afetivos. Viver é procurar acomodar-se sempre, com o conforto possível. O amor é o conforto afetivo assegurado, ainda que em vão, como todos os outros que se pretendem assegurados. Eles acabam, é preciso procurar outras posições. E retirar a pedrinha do sapato, mover-se na cama e ajustar melhor o travesseiro; proteger-se do frio e aliviar-se do calor excessivos.

Enterramos nossos mortos em posições confortáveis, simulando um repouso eterno. Por que será?

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