segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ÀS VEZES, FICO ASSIM: BARATEANDO

Quando Borges diz que o homem é feito de memória, penso entender e, portanto, concordo. Vivos, lembramos das coisas, pessoas, nossa própria vivência em sua totalidade, o tempo todo. Seria inimaginável supor que poderíamos agir (em seu mais amplo sentido) sem a memória. Mortos, existimos na memória do outro. Impossível escapar, é nossa condição.

Ortega y Gasset diz algo muito próximo (talvez, o mesmo): a diferença entre o homem e um tigre é que este nasce todos os dias. As palavras não são estas, tento preservar o sentido. O homem dorme e acorda com sua história e todas as histórias que conheceu. Ele não poderia sonhar nem se expressar sem a memória. Tudo para dizer que o homem é um animal histórico. Talvez, o único. Um truísmo.

Quando acato este ponto de vista, certas angústias metafísicas desaparecem. Não me preocupo com vida pós-morte. Seguirei sendo memória. Minha particular sustentação moral tem essa convicção por base. Como serei lembrado? Minha outra existência (na memória alheia) será produto da existência construída em vida. Multifacetada, como é a de todos. Soma de gestos dos quais me envergonho e de outros que me honram. Escolhas adequadas e outras claramente erradas, que resultaram em dor para mim e para o outro. Bom e mau. Que outro sentido podem ter as palavras: "Atire a primeira pedra...", senão o que supõe essa dualidade no homem? Por isso sua universalidade. A vida amoral não pertence ao mundo humano, mas à, quem sabe, ilimitada natureza. O que é a noção de pecado para um tigre? Uma maluquice pensar. A natureza pouco se importa com a vida. Um mundo inapreensível. Nosso limite.

Ainda Borges, que imaginou um homem com a capacidade (ou destino) de lembrar-se de tudo. Num conto célebre. Algo só possível como parte do imaginário. Insuportável em nosso devir; seria a forma mais cruel de castigo. Concebível o bastante numa dimensão mitológica. Tomada aqui em seu significado banal, como fantasia. A vida se faz nesse alternar de lembranças e filtros, depuração. A idéia de pecado original a assombrar a existência humana é por demais terrível. Não é de mundo nenhum; serve ao mito (ainda em sentido banal) e formas de conduta aprisionadoras.

A moralidade não pode se apoiar na rígida dualidade: pecado-castigo, ou, virtude e prêmio. É muito tolo, simplório. Convivemos, e não podemos deixar de fazê-lo, com a maldade e bondade humanas; a própria e a dos outros. Assim, a flexibilidade do pensamento, do juízo é uma necessidade, um prumo para o que se chama liberdade. Rigidez e coerência absolutas são demência. Burrice.

É provável que todas essas considerações sejam tolice embrulhada em leituras explícitas e implícitas, mal digeridas; para, agora, me arranjar com uma desculpa conveniente. Falta de assunto num sábado ocioso, quase dezembrino. Sou dado a bobagens assim. Cada um se diverte como pode. Não é o que diz o senso comum?

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