segunda-feira, 29 de novembro de 2010

EM NOME DE CADA UM DE NÓS

“Nunca esquecer, ao atacar a religião em nome da verdade, que a religião pode dificilmente ser substituída e a pobre criatura humana está chorando nas trevas.”
Alexandre Bucas (F. Pessoa)

São em número diminuto as pessoas (próximas e distantes) não-crentes. Compreensível. Os crentes apreciam falar sobre o assunto. Têm uma reserva oculta de pastores. Alguns são até estridentes. A minoria sobredita não fala. Assim é que o assunto acaba arranjando lugar em minha caixola.

Voltando do supermercado, vi uma senhora pobre fazendo o sinal da cruz diante da igreja, na calçada oposta. Como se sua prece tivesse um longo alcance. Como os muçulmanos, que se põem voltados para Meca. Uma cena corriqueira, mas que me levou a pensar durante o percurso de volta a minha casa.

Entendo que a pessoa, quando reza ou toma atitudes similares, não recebe algo benéfico, de procedência exterior a ela. A meu juízo, o crente está agindo sobre si mesmo. O que pode lhe fazer bem. Não sei por qual mecanismo psíquico. A psicologia deve ter lá seu nome. Certo é que a pessoa se sente em conforto íntimo. Coisa desejável. Vou imaginando.

Do mesmo modo, quando reza por outrem. Não é que um ente interceda por ela em benefício de terceiros. Quem ela pensa que é? Poderosa o bastante para que sua prece influencie os atos do Ente Supremo? Penso que, diante de um espelho subjetivo, ela se vê como alguém bom. Esta autoimagem lhe proporciona vantagens emocionais no fluir de seus dias. Se o terceiro se encontrar em melhor situação em ocasião sequente, pura obra do acaso (ou necessidade), reflete a pessoa: "Ele recebeu a graça. Jesus é grande!" Desconsidera outra convicção que lhe é cara: "Deus só ajuda a quem se ajuda." Ou desconsidera o outro, julgando-o incapaz de agir em seu próprio benefício. Imagino eu.

Não cabe ao não-crente desqualificar esses humanos procederes. Vejo as religiões servindo a mecanismos psíquicos análogos, e são ancilares das mais variadas formas. Daí sua grande importância para as mais diferentes culturas, nas mais diversas épocas.

Pessoalmente, acho tudo muito interessante e, eventualmente, estranho. Da mesma forma, pessoas crentes de minha convivência veem como uma impossibilidade minhas convicções. Em suma, estranham. Como se não fosse humano como eles. Epa! Deve ser porque, em mim, não existem tais mecanismos. Não sinto a menor falta. Nem julgo inferiores aqueles que deles fazem uso. Considero apenas minha própria impotência - insignificância, vá lá - diante dos acasos dessa enigmática vida. Quem sou eu para... Ou idiotice, quando sou eu a provocar meu próprio inferno. E ambos, crentes e não-crentes, seguem o caminho, estranhando-se. Segui imaginando, e, súbito, cheguei a casa. Sentia fome. Melhor deixar pra lá. Amém.

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