segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

DAS BANAIS DOMINAÇÕES


No Caranguejo

Num festim macabro, o caranguejo é banhado à força e comparece fantasiado em tons vários de vermelho. Sua vingança patética é a larga carapaça. Comovente e insuficiente. O martelo dá-lhe cabo em ataques insistentes. Os dentes nossos concluem a devastação. Manda outro! E estamos pacificados.


No Coito

Devidamente lambidos, macho e fêmea se emaranham em preparo. Pronta, ela se abre inteira para o abraço inconsútil de ambos. Segue o macho, que a fura em avanços incontidos. Até o desfalecimento mútuo, como se, derrotados, fossem um ao fim do outro.


Na Andadura

O corpo é lançado em posição vertical, a recusa extremada ao repouso. Então, por fração de segundo, é impulsionado ao desamparo do desequilíbrio. Retoma o prumo ao atirar, alternadamente, ambas as pernas para o vazio. Um compassado perder-se e achar-se. Quase uma queda que não se presentifica. Em frente, rente ao plano do chão, os pés batem resolutos a terra.

Na Culinária

Com sangue e carnes desfiguradas, abre-se a carcaça animal com a fúria dos dedos e o arranque do braço. Extirpam-se as vísceras depois de rasgado em lâmina o que antes era íntegro. Batidas e amassadas, as carnes recebem delicadas e sinistras carícias que as vão envolver até a operação final quando queimarão sobre o calor das brasas ardentes.


No Banho

O corpo já brilhante pela mistura de óleo e água expelidos, é despojado, em movimentos decisivos, das vestes úmidas. Jogado sob jorro frio da ducha, é esfregado e desfolhado numa emulsão de soda cáustica, gordura e essências perfumadas. Novamente submetido à queda vertiginosa da água, é, por fim, provisoriamente poupado. Para, de novo, ser entregue ao roçar repetido do algodão sobre a epiderme, em firmes movimentos de ir e vir Até que jaza seco.


Na Escovação

Agarra-se, na mão direita (os destros), um bastão plástico munido de um conjunto regular de cerdas de nylon. Na, esquerda, comprime-se um tubo também plástico, que, devidamente posicionado, expele uma substância pastosa, a que vai sobre as tais cerdas.
A boca é aberta o suficiente para que seja enfiado o bastão, logo acionado em movimentos ritmados de dentro para fora (e vice-versa). A substância desfaz-se numa espuma alva que inunda a cavidade bucal e escorre pelos lábios e laterais da boca, à maneira de uma baba. Os dentes são esfregados com intensidade e a gengiva, arregaçada para que os duros fios de nylon penetrem os intervalos entre carnes e esmalte.
O mingau resultante é cuspido sobre a pia que, antes imaculada, torna-se emporcalhada por resíduos de comidas passadas, quase nenhuma de ontem, muitas de hoje, numa mistura de bagaços e goma.
Conclui-se a operação com um atrito insistente do nylon sobre a superfície áspera da língua. É frequente que a espuma adquira um tom róseo (e até rubro), amálgama do sangue e dela mesma, um ente de constituição ignorada.

4 de dezembro de 2010

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