quinta-feira, 21 de julho de 2011




POLTRONA RECLINÁVEL COM DIREITO A JANELINHA

Deixo de lado os procedimentos declamatórios, antigos e contemporâneos, comportados e estridentes. Penso nos hábitos convencionais de convívio com algumas das Artes tradicionais, mais o Cinema.

Se a leitura, como a escrita, é uma ação ordinariamente solitária e silenciosa, o trato com o texto é um ato compartilhado, num quase paradoxo, entre o que escreveu e aquele que lê. Mais que no Cinema, o leitor se abre para o outro, tanto quanto o autor, no instante em que dividem, entre si, mundos imaginários, paralelos. Há, por assim dizer, uma divisão de trabalho. Desigual, é bem verdade, mas correspondentes e articulados. No Cinema, cenários e personagens são dados, concretos na tela, o espectador os contempla prontos; na Literatura, onde estão?

Preferir a companhia dos livros à companhia das pessoas é, certamente, comportamento antissocial - a convivência empírica desloca-se para segundo plano; um ato extremado e plausível, familiar aos usuários compulsivos de redes sociais, na internet. Aqui, a hipótese da mentira entrevista, consentida é um elemento real, possível e largamente praticado; na Literatura, não há mentiras, o imaginário é das regras do jogo; nas redes sociais, é uma armadilha, muitas vezes danosa à integridade pessoal. Nunca no Cinema, na Literatura de ficção, rara no Teatro.

No primeiro, é documentada a atuação de atores e atrizes frente à câmera (e a equipe de filmagem), manipulada na montagem, efeitos especiais e na pós-produção, mais a banda sonora - puro faz de conta. Na segunda, concretos são apenas o papel e a tinta (a imagem do texto digitalizado na tela). No terceiro, unicamente as presenças do corpo e da voz, cenários, luz e sombra, da música e sons, quando há. As falas se abrem para o tênue imaginário - um mundo de faz de conta, concordado. O Teatro de vanguarda, às vezes, se viu tentado a arrombar a porta que separa atores, atrizes e platéia, e o fez. Essa experiência não sei aonde o levou, mas está por aí. Não o considero nessas ralas observações.

Na narrativa de ficção, os amantes se casam em nós, leitores e espectadores. No mundo da Web, eles até marcam encontro físico e, muitos deles vão a ele, de fato. E então... Os sonhos repartidos, proporcionados pela Arte, têm endereço conhecido; a troca é certa e os carteiros somos todos nós - destinatários e remetentes viajam no envelope.

No âmbito da Arte, os fruidores que embaralham realidade e fantasia, signo e referente, o fazem por motivos que escapam àquela, por razões que pertencem ao domínio do comportamento patológico. Não entregam o envelope, rasgam a correspondência. E aí...

Não sei, fico elucubrando agora, como antes: o homem (a mulher, argh!) contemporâneo, banal, de tão oco e desprovido de imaginação, não estaria desejando, ao mesmo tempo, viajar no transporte e estar na paisagem que contempla? Permanentemente incapaz para o silêncio a a reflexão, despido de si? Nessa alienação hodierna, em plena rua, essas pessoas quaisquer andam como se carregassem os dizeres: Podem Entrar! Estou Apartado de Mim. O celular na orelha ou os dedinhos no teclado. Disponíveis ao abuso, por imprestáveis a si.
Sôfregos.


Salvador, julho de 2011

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