domingo, 22 de julho de 2012

NO ESPELHO, AOS 62

NO ESPELHO, AOS 62


Tão dolorida, tão dolorida...
Mostram-me espelhos – vejo outro rosto,
dizem meu nome... – vejo outra vida.

Cecília Meireles


Nomes fluídos separam o que me figuram de mim: Antônio Rebouças Falcão é o civil escriturado; Toninho, o que a família plasmou em anos iniciais e legou aos parentes e amigos mais antigos; Toniô, Toni, o que resolveram, por conta, deixar como crosta de fundo nas panelas mais velhas; Falcão, o nome público que adotei nas andanças profissionais; Falcon, Mr. Falco, o predileto (nem sei por quê) de garçons em botequins por aí; até Mr. Jô um deles adotou, o que imitava qualquer passarinho quando me avistava. Todos eles, nomes que, agora, fazem o vidro e a prata que afastam uma substância inefável e volátil (um eu difuso em mim daquele outro ali a me observar sem medo, a me vigiar). Pela ordem natural das coisas, o estrago está irremediavelmente feito.


Sou extremamente tóxico com meus próprios erros e, depois, com os, alheios. Sofro de mania judicativa. Não sou rotineiramente feliz. Oprimido que sou em espaço tão exíguo. Tudo piora. Só melhora o vôo do urubu. Prefiro a intensidade na alegria e na melancolia, que é meu estado mais frequente. Felicidade é farinha frívola em nossos tempos sombrios. Impaciente e ranzinza, só. Um urso polar, um eremita. Minha misantropia e ceticismo, os engulo no café da manhã.


Faço minha própria comida, lavo e passo minha própria roupa, na mão. Sou notívago. Prefiro estar onde não estão. Enquanto dormem, me ativo. Não suporto a servidão assalariada, bater ponto e cumprir horários num trabalho embrutecedor e estúpido; quase todos.

As ruas e o mundo lá fora me irritam em demasia. Espero que chova gasolina sobre eles, não obstante, gosto de caminhar para, na primeira oportunidade, recolher-me; não troco minha casa e seu silêncio povoado de livros por um tesouro de gregarismo bovino (confrarias, clubes esportivos, partidos políticos, credos e doutrinas de quaisquer espécies). As crenças são sonolentas, letargias deletérias.

Sou de pouca prosa e monologo com paredes, parlamento com pedras milenares. São os espelhos opacos de minha preferência. Nada falam, nada respondem. São fragmentos de mim que balançam nos varais da frágil existência. Por suposto, detesto telefones e conectividades virtuais. Prefiro o vento na cara e presenças que, empiricamente, se enfrentam, os olhos que se encaram na carne.

Quando ouço música, ouço-a baixo; prefiro a voz dos instrumentos; entretanto, vivo em tormenta íntima, em vendaval imaginativo. A contrapelo dos juízos pedestres, não habito a serenidade, busco desesperadamente o sossego, a preguiça prazenteira.


Choro com belezas e me comovem aqueles que esculpem delícias no simples deixar-se pensar, sonhar. Adoro canetas e papéis em branco, estas outras superfícies opacas, como espelhos que aguardam ordens.


Aprecio insetos e o assombro que me presenteiam os pássaros. O deslocamento fremente, os atilados sem permanência, a altivez suficiente.


Conforta-me saber que sou verbalmente feliz na mesa da palavra. Não me convidem, que não vou. Deixem-me ficar em momentos de paz flutuante, que, somados um a um, me encaminharão, um dia desses, para a cama que me espera irremediavelmente. É o repouso de todos os Zés Pereiras.



SALVADOR, 20 DE JULHO DE 2012

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