DEU
NO QUE DEU
Causa-me enfado alguém enunciar “A vida é
feita de escolhas”. O hominídeo se infla de gazes superiores e bate, sobre a
mesa, a sentença incontornável. Em mim, pelo clichê, um espasmo; pelo vago da
assertiva, o tédio; pela convicção roubada, o riso de bolso.
A
palavra escolha é gramaticalmente muito transitiva. Pede complemento
nominal. Não pode se pendurar no abismo à mercê do vácuo de sentido. Escolha
é “escolha de”, “escolha para”, “escolha como” e por aí afora. Há de se
mencionar o que é aberto semanticamente a partir das preposições espertas. Se
assim não for, a voragem.
Depois,
elas (as escolhas) podem ser desenhadas nas pranchetas volitivas da
racionalidade bem-pensante – o símio equilibrado. Não conheço. Mas desenham-se
também nas contingências perigosas e envolventes. A decisão em súbito. Quando é
que se acerta nela? Quem pode responder antecipadamente, antes mesmo que o
horizonte se configure como consequências que se desdobram em direção ao
infinito?
Não
há, portanto, culpa pelos erros. Nem indulto. Essas mazelas cristãs que sufocam
o homem. Há responsabilidades, passos que se refazem por caminhos múltiplos ou
andanças no escuro da existência. E são tantos. Há sucessivas e imprevisíveis
escolhas frente ao cesto dos destinos. O livre-arbítrio tornado relativo, em
suspensão, até o cansaço que adormece e aguarda em outra bobagem que se chama
“bom senso” - a fuga das arestas inevitáveis num labirinto sempre agressivo.
Se
existisse apenas um “Eu” absoluto, livre do “Nós” complicador, viver seria
feito de escolhas intransitivas. Fica o repouso inquietante sob o silêncio das
estrelas no céu infinito. Porque sonhamos é que dormir abraçados ao travesseiro
do esquecimento é sempre a melhor escolha. É o que vou fazer: dormir sob o peso
dos sonhos. Que as memórias trabalhem por mim. Quero preguiça com fortes
emoções.
A. R. Falcão – junho de
2013
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