quarta-feira, 15 de abril de 2015



DE NOVO, ESSA CONVERSINHA

O Fim da vida

Conhece da humana lida
a sorte:
o único fim da vida
é a morte
e não há, depois da morte,
mais nada.
Eis o que torna esta vida
sagrada:
ela é tudo e o resto, nada.
A. Cícero

Não sei cara de que tenho, talvez seja a irreverência incorrigível, o acento entre blasé e ranzinza, certo é que bastam poucas palavras e são muitas as pessoas que se sentem tentadas a lançar a indagação-arapuca: "Desculpe perguntar, mas você acredita em Deus?" E quedam incrédulos diante do sonoro “Não”.


Não me pergunte mais se acredito em deus. Por favor, sinto-me, de pronto, fatigado, apastado. Para o todo e sempre, as linhas que seguem, espero, me farão silêncio e sossego.


A idéia de deus empobrece o pensamento, é um muro intransponível, insuperável; desgraça o mistério da existência, impede que a reflexão siga livre, palmeando na infinita viagem da dúvida, matriz de qualquer ânimo de conhecimento.


É do homem comum amparar-se em âncoras para, com a canoa presa, balançar-se na marola de sua vidinha. E dali não sai para a aventura, para a busca daquilo que nunca vai saber e que, no entanto, confere encanto à vida.


A idéia de deus é um muro autoimposto para o gozo do consolo, da preguiça cognitiva ou covardia. Instalada essa idéia ou fé, não é preciso mais pensar, a pessoa já tem, para si, a Explicação definitiva diante da qual não cabe duvidar. Está resolvida  e acabada sua angústia metafísica.


O pobre homem comum, afinal, está condenado à servidão voluntária e necessária, ao trabalho que o brutaliza, expresso em salário sem o qual não sobrevive, de outro modo vai morrer à míngua na inópia das ruas. É o que o ocupa sem descanso e o impede de ser, de fato, livre. Pensar? Não sobra tempo para a ação indagativa.


Seu corolário é a indispensabidade do pertencimento, o juntar-se à manada: falar igual, comer igual, vestir-se igual, divertir-se igual, rezar igual, em suma, fazer e ser igual. Diante da solidão inescapável, do fazer-se único, do pensar com a própria cabeça, o homem comum entra em pânico. Tão mais fascinantes seriam a vida e a convivência se os indivíduos fossem únicos, singulares. Todo contato, uma surpresa. Para mim, estar na companhia eventual de humanos banais é beber o veneno do tédio sem o socorro do vômito. Morte lenta.


Nunca mais me pergunte. Agora, deixe-me madraço como gosto, na rede maviosa de meus pensamentos e perplexidades, bem longe, muito longe das crenças.                                                                                                                                      


A. R. Falcão - março de 2015

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