DE NOVO, ESSA CONVERSINHA
O Fim da vida
Conhece da humana lida
a sorte:
o único fim da vida
é a morte
e não há, depois da morte,
mais nada.
Eis o que torna esta vida
sagrada:
ela é tudo e o resto, nada.
A. Cícero
Não sei cara de que tenho, talvez
seja a irreverência incorrigível, o acento entre blasé e ranzinza, certo
é que bastam poucas palavras e são muitas as pessoas que se sentem tentadas a
lançar a indagação-arapuca: "Desculpe perguntar, mas você acredita em
Deus?" E quedam incrédulos diante do sonoro “Não”.
Não me pergunte mais se
acredito em deus. Por favor, sinto-me, de pronto, fatigado, apastado. Para o
todo e sempre, as linhas que seguem, espero, me farão silêncio e sossego.
A idéia de deus empobrece o
pensamento, é um muro intransponível, insuperável; desgraça o mistério da
existência, impede que a reflexão siga livre, palmeando na infinita viagem da
dúvida, matriz de qualquer ânimo de conhecimento.
É do homem comum amparar-se em
âncoras para, com a canoa presa, balançar-se na marola de sua vidinha. E dali
não sai para a aventura, para a busca daquilo que nunca vai saber e que, no
entanto, confere encanto à vida.
A idéia de deus é um muro
autoimposto para o gozo do consolo, da preguiça cognitiva ou covardia.
Instalada essa idéia ou fé, não é preciso mais pensar, a pessoa já tem, para
si, a Explicação definitiva diante da qual não cabe duvidar. Está
resolvida e acabada sua angústia
metafísica.
O pobre homem comum, afinal,
está condenado à servidão voluntária e necessária, ao trabalho que o brutaliza,
expresso em salário sem o qual não sobrevive, de outro modo vai morrer à míngua
na inópia das ruas. É o que o ocupa sem descanso e o impede de ser, de fato,
livre. Pensar? Não sobra tempo para a ação indagativa.
Seu corolário é a indispensabidade
do pertencimento, o juntar-se à manada: falar igual, comer igual, vestir-se
igual, divertir-se igual, rezar igual, em suma, fazer e ser igual. Diante da
solidão inescapável, do fazer-se único, do pensar com a própria cabeça, o homem
comum entra em pânico. Tão mais fascinantes seriam a vida e a convivência se os
indivíduos fossem únicos, singulares. Todo contato, uma surpresa. Para mim,
estar na companhia eventual de humanos banais é beber o veneno do tédio sem o
socorro do vômito. Morte lenta.
Nunca mais me pergunte. Agora,
deixe-me madraço como gosto, na rede maviosa de meus pensamentos e perplexidades,
bem longe, muito longe das crenças.
A. R. Falcão - março de 2015
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