Numa distante região da distante
Mordália, muito tempo atrás, havia bizarros costumes. Entre eles, as sentenças
judiciais impingidas aos praticantes de ilícitos. Vale a pena
conhecê-las.
Numa única aldeia (e só naquela,
conhecida pelo singelo nome Orys) com alto índice de criminalidade, nas
condenações à morte, as execuções se davam de várias maneiras. A que mais
empregavam era aquela na qual encaravam a vítima por torturantes horas até
que esta, ao não suportá-las, sucumbia. Outra bastante curiosa é a que
consistia nisso: diante de uma coluna de formigas em trabalho, o sentenciado
devia escolher, entre tantas, uma única delas, que seria marcada pelos algozes, e segui-la com os olhos nas inúmeras idas e
vindas. Tudo acontecia numa diminuta arena que continha o ninho e a fonte
alimentar dos insetos himenópteros. Como as formigas operárias são incansáveis,
a vítima, depois de tormentoso torcicolo, tinha seus músculos cervicais
irremediavelmente danificados. Alguns mamíferos imolados imploravam pela degola
tamanha era a dor. Podiam ser atendidos desde que a família fizesse gordos
depósitos em ouro nos cofres públicos e satisfizesse o imprevisível edil.
Foram tentadas tais práticas em
outras aldeias. Sem sucesso. Como a inveja também mata, um aldeão malévolo
(sempre eles) apresentou aos formidáveis verdugos de Orys a besta, que
quedaram fascinados por sua eficácia. Alguns reacionários fizeram eloquentes
protestos (sempre eles), mas, como foram votos vencidos, acabaram desistindo.
Com o passar dos anos, aquelas inauditas práticas passadas caíram no
esquecimento. A forca só foi introduzida um século depois para gáudio da população local, que se divertia às gargalhadas com o espernear dos condenados; particularmente as crianças.
Deve-se o registro de alguns desses inusitados eventos a uma pessoa incerta, talvez a um viajante que passasse uma temporada por ali. Para somar-se ao fantástico de tudo, mais este: em seu último dia na aldeia, logo depois de acordar, manhã já avançada, foi até a janela de seu aposento e espantou-se com algo estranho: um improvável silêncio de pedra, não havia mais ninguém na aldeia, nem mesmo os cachorros vagabundos de sempre, nenhum pássaro. Assim, tomou uma decisão: arrumou, às pressas, suas coisas e, como os outros todos, desapareceu dali para nunca mais passar por perto. Evadiu-se para contar o que não pôde esquecer e em que ninguém mais acredita.
Hoje, não há vestígios desse povo. A região está submersa sob as águas de um gigantesco e sinistro lago, onde é sempre noite. Como já dizia Nietzsche, o que aconteceu é passado; o que escolhemos contar é história. Fonte dessas sobreditas informações: Biblioteca do Congresso, secção: Judiarias de Estado. Onde fica Mordália, onde fica esse tal lago? Ninguém sabe, que não é para saber. Talvez em todo lugar. Nem fiz bem em narrar.
Deve-se o registro de alguns desses inusitados eventos a uma pessoa incerta, talvez a um viajante que passasse uma temporada por ali. Para somar-se ao fantástico de tudo, mais este: em seu último dia na aldeia, logo depois de acordar, manhã já avançada, foi até a janela de seu aposento e espantou-se com algo estranho: um improvável silêncio de pedra, não havia mais ninguém na aldeia, nem mesmo os cachorros vagabundos de sempre, nenhum pássaro. Assim, tomou uma decisão: arrumou, às pressas, suas coisas e, como os outros todos, desapareceu dali para nunca mais passar por perto. Evadiu-se para contar o que não pôde esquecer e em que ninguém mais acredita.
Hoje, não há vestígios desse povo. A região está submersa sob as águas de um gigantesco e sinistro lago, onde é sempre noite. Como já dizia Nietzsche, o que aconteceu é passado; o que escolhemos contar é história. Fonte dessas sobreditas informações: Biblioteca do Congresso, secção: Judiarias de Estado. Onde fica Mordália, onde fica esse tal lago? Ninguém sabe, que não é para saber. Talvez em todo lugar. Nem fiz bem em narrar.
A.
R. Falcão - maio de 2015
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