quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017


O GRAMPO

Quando se pôs de pé, viu-se retido por um objeto sobre a mesa. Era um grampo de cabelos que lhe foram importantes por bons motivos. Circunstâncias fortuitas o levaram até ali, aquele ambiente desarrumado havia dias.
Se a casa foi abandonada, não havia razão para falta de asseio pessoal. Colocou-se sob o chuveiro, barbeou-se, vestiu-se em trajes limpos e apoderou-se do grampo. Saiu para a praça, naquela tarde ensolarada.
Sentiu-se, por alguns instantes, perdido. Havia poucas pessoas espalhadas em alguns bancos, sob as sombras dos flamboaiãs, floridos nessa época do ano. Caminhou até o extremo da quadra, até avistar o rio, outrora manchado de lembranças amargas, mas agora já limpo. Sua vida mudaria. Transfiguração.
Foi, em passos lentos, à ponte, debruçou-se sobre a murada e ficou contemplando as águas plácidas e verdes. Era um rio agradavelmente silencioso, margeado por vegetação densa, de tons múltiplos. Tomou a decisão de atirar o grampo nas águas; por que manter aquele incômodo no bolso? E o fez.

Deveria ter esperado a noite pesada e as ruas vazias para livrar-se do corpo que carregava outros grampos, mas não o fez. Deixou-o no porão da casa desarrumada. Saiu dali, tomou um taxi e dirigiu-se à rodoviária. Comprou passagem para o Rio e esperou duas horas para embarcar. Dessa vez, foi-se para nunca mais voltar, nem por imposição de inquérito policial. Algo muito improvável. Seria se não fosse. Foram demasiado nefastos os dias.

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