segunda-feira, 29 de maio de 2017


SOBRE A SONHAÇÃO
a Juliana

O sonhador é sempre suspeito, porque manipulado pelo sonho. Ao narrar o sonhado - o que já fez para si - o submete à lógica da narrativa em vigília, impregnada do trinômio causa-consequência-efeito, tão estranho ao evento onírico. O sonho é memória em desordem, desenraizada, como imaginação alucinada, sua análoga; em si, o sonho já é tentativa de apreender matéria simbólica errática, indestinada, que, a todo instante, escapa dos grampos da racionalidade.

Ocorre que, sem o sonho, a pessoa acaba prisioneira de sua incompletude natural, de seu indelével vazio. O sonho a preenche e ilumina o escuro de seus mais íntimos abismos - um milagre. Quando um outro se põe a interpretá-lo, ou pelo menos tenta, escolhe tarefa das mais ingratas e infrutíferas - a interpretação é uma caça cega a um inefável sentido, tão cara à poesia - o que não lhe tira o mérito nem a generosidade, do amigo(a) ou do(a) profissional. É quando a intimidade, por pudor, se faz tentacular. E a interpretação tem, de mim, toda a gratidão.


A. R. Falcão - maio de 17

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