SOBRE A SONHAÇÃO
a Juliana
O sonhador é sempre suspeito, porque
manipulado pelo sonho. Ao narrar o sonhado - o que já fez para si - o submete à
lógica da narrativa em vigília, impregnada do trinômio
causa-consequência-efeito, tão estranho ao evento onírico. O sonho é memória em
desordem, desenraizada, como imaginação alucinada, sua análoga; em si, o sonho
já é tentativa de apreender matéria simbólica errática, indestinada, que, a
todo instante, escapa dos grampos da racionalidade.
Ocorre que, sem o sonho, a pessoa
acaba prisioneira de sua incompletude natural, de seu indelével vazio. O sonho
a preenche e ilumina o escuro de seus mais íntimos abismos - um milagre. Quando
um outro se põe a interpretá-lo, ou pelo menos tenta, escolhe tarefa das mais
ingratas e infrutíferas - a interpretação é uma caça cega a um inefável
sentido, tão cara à poesia - o que não lhe tira o mérito nem a generosidade, do
amigo(a) ou do(a) profissional. É quando a intimidade, por pudor, se faz
tentacular. E a interpretação tem, de mim, toda a gratidão.
A. R. Falcão - maio
de 17
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