terça-feira, 24 de outubro de 2017


TAMBÉM EM NÓS

A propósito dos trágicos incidentes de Janaúba e Goiânia (MG E GO)

Se indagada, Pandora não titubearia: o Mal existe, sim, e é onipresente, mas não é um "em si", não é possível detectá-lo em sua integridade. Fosse desse modo, poderíamos destruí-lo. Ele mora em fazenda metafísica. Uma existência a dissimular sua essência vazia. Manifesta-se apenas "através"; está nos danos que causa a quaisquer formas de vida. É passageiro (dor) ou permanente (morte). Estamos na dimensão física, a moral é complexa e, no caso dos eventos recentes, em Minas e Goiás, a segunda dimensão atingiu os algozes.

          Aqui, é preciso refletir ligeiramente e por simplificação sobre a natureza da morte, em razão da brevidade deste texto. Há a morte maléfica e a benéfica. A primeira não serve à vida, é provocada gratuitamente, por razão fútil, sem necessidade que a mova. A segunda conduz a reprodução da vida na cadeia alimentar, por exemplo. Há uma terceira, a que resulta da "fadiga de material", que chamam de "natural". No fim, "nada se perde, tudo se transforma", tudo serve à vida, mas interessa que o Mal se alimenta dos danos injustificados, é disso que se trata aqui.

Pensando nele, refiro-me à ação de matar que é fruto de uma vontade demente, em que há um agente e um arbítrio. Por isso, a morte resultante de um desastre natural não entra nessas considerações. A Natureza é indiferente à vida como a tomamos agora, quando realiza seus terríveis movimentos - não existe a morte, mas a transformação permanente, estrondosa ou silenciosa. 

        Se a morte é absoluta, irreversível, a dor é relativa, revogável, mormente se provocadas por terceiros, voluntária ou involuntariamente. O Mal se manifesta  através da voluntariedade, é óbvio. Juízo moral é coisa de humanos. Entretanto, quando a dor ou a morte são autoinfligidas existe também a expressão do Mal, porque há aí um "outro" em si,  como um Eu que se desmembra - a pessoa que se sabe esgarçada no prazer que "se abusa", por exemplo; na automutilação patológica também. Em Janaúba e Goiânia, a dor casou com a morte.


É forçoso notar que, em ambos os casos, existe um indivíduo em oposição a um grupo, seja este qual for (crianças e cuidadores na creche; colegas de turma na escola), considere-se um contexto mínimo e haverá outro análogo em grau máximo: o indivíduo em guerra com a massa que o esmaga. Os dois eventos não foram contendas entre indivíduos isolados. Assim tem sido em outros “massacres” semelhantes pelo planeta afora (aqui mesmo, há alguns anos, em Realengo, RJ), especialmente nos E.U.A.


Seus responsáveis se autoeliminam (autoimolam) ou são eliminados por agentes do Estado – as prisões não são a regra. Importa que ressurgirão em outros momentos, outros locais. A psicologia social e não a, clínica poderia tentar explicar o terreno adubado por isolamentos e pertencimentos, propício à expressividade do Mal. No abismo de si, “Eu, porque só, sou mau; outros, porque gregários, são bons. Morram todos!” 

Quem há de julgar?  Quem quer matar mas não mata? O Estado? O parceiro do infortúnio existencial de sempre? O vulgo feito jurado pela mão do Direito Penal?  Resposta nenhuma é satisfatória, seria fruto de nossa precária condição humana.

O que é o Mal? Ele não é, está no plano do intangível e inefável, é nosso vizinho invisível e o mais próximo; suspeitamos dele na sua manifestada consequência - a causa tem endereço incerto ou ignorado.


Essa conversa é comprida, sem o fio de meada e aonde o fim de seu horizonte nunca chega, não vá buscá-lo, nunca estará lá. Matam, morrem; machucam e são machucados - coisa de humanos, que gostamos de pensar que não somos, preferimos a confortável máscara "criaturas de Deus", superiores. É enfadonho e triste. Conta o mito que Pandora, desesperada com o feito, fechou a caixa; dentro restou apenas a Esperança, esta inconfiável. Verdade é que não foi bem fechada. É assim, sim. 

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