sexta-feira, 24 de agosto de 2007

GENETICAMENTE MODIFICADOR

Aproveitando a polêmica algo confusa dos organismos geneticamente modificados, em que não se sabe quem tem razão e em que tantos interesses são camuflados, não custa lembrar as inúmeras modificações perpetradas na paisagem natural pela humanidade; ontem, hoje e sempre. Olhe pela janela: onde está a natureza natural (expressas desculpas pela redundância necessária)? Montanhas são removidas (Itabira-MG), florestas desaparecem ou são replantadas (floresta da Tijuca-RJ); canaviais, cafezais, laranjais redesenham paisagens, e por aí vai. Mas os horizontes aqui não são tão amplos.

Penso nas inocentes ponkans, no humilde milho que conhecemos - não é o mesmo que nossos antecedentes remotos conheceram - e em tantos outros enxertos e modificações criadas pelo gênio humano na sua luta contra as pragas e fome devastadoras. O purismo na defesa da natureza é muitas vezes fruto de ignorância e ingenuidade. Aqueles que fazem questão de comer unicamente verduras orgânicas (expressão meio tola, porque desconheço verdura que não seja orgânica) esquecem que não se aplaca a fome de milhares de pessoas com hortinhas ecologicamente corretas. A expansão demográfica custa um preço, muitas vezes doloroso e cujas conseqüências não sabemos medir com precisão.

Alguém deve estar pensando: este cronista faz o jogo da multinacional Monsanto. Não chego a tanto; meus tentáculos não vão tão longe; minhas conjecturas são infinitamente modestas. Costuro essas palavras tendo em mente prosaicos quiabos, almeirões, rúculas, alfaces e outras delícias perdidas. Vocês já repararam que, em nome da estética, os vegetais, nas feiras e supermercados, são cada vez maiores, bonitos e completamente sem graça. O almeirão já não amarga; o agrião não arde; o quiabo quase não tem baba; o jiló vai ficando doce; o limão não azeda; a cenoura já está lembrando chuchu; vamos parar por aqui que a lista vai ficando interminável. O ser humano é um incorrigível modificador.

Acomode-se no sofá e, desfrutando a virtuosidade do ócio imaginativo, espere para os próximos anos: água sólida, areias com textura de seda, chuva enxuta etc. Se o homem foi capaz de fazer óleo de fígado de bacalhau (argh!) com sabor morango, cabe a você antecipar o resto. Não estou brincando.

Antônio Rebouças Falcão

Nenhum comentário: