segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O bêbado e o mar

A embriaguez é uma forma peculiar e, ao mesmo tempo, comum de reclusão: você se encharca de um líqüido estranho ao corpo que o atira a um processo de dissolução, em que todas as atitudes sociais estabelecidas se dissipam; quando esses nós rígida e prolongadamente atados, impostos e auto-impostos, ao longo da vida pública, se estilhaçam na implosão do porre e na aniqüilação da ressaca; como o mar ao não se conformar com os limites impostos pelas barreiras naturais e artificiais da costa.

Repare como o bêbado, assim como destrói o que fisicamente o cerca, através de pancadas, tombos, quedas e trombadas involuntárias, destrói-se no desarticulado da elocução e na sintaxe do discurso excessiva e inutilmente expandido, diluindo-se no líqüido que anteriormente ingeriu; num contínuo alternar-se entre maré cheia e vazante - esta, a reclusão do auto-engolir-se quando não mais restam garrafas e copos a esvaziar e nem esqueleto firme para sustentar-se; restando-lhe as horizontais do chão ou da cama. E o horizonte de seus próprios monstros no que, de si, resulta desidratado. Submerso na superfície da solidão inexorável e comum a todos, que, inevitavelmente, também desaparecerão, deixando apenas como rastro farelos de lembranças.

Marés influenciadas por uma segunda, antiga e incógnita lua que orbita em torno de uma existência subitamente percebida como precária e destituída de sentido. Então, os outros vão embora - às vezes, para sempre. Resta-lhe recolher os cacos e andrajos para mover-se de novo, pública e privadamente, na perversão da autocomplacência ou na urgente necessidade em deslocar-se com a vida para a frente. Sem, de novo, saber bem pra quê.


agosto de 2007

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