segunda-feira, 17 de maio de 2010

"NÓS, CAMINHANTES ALFABETIZADOS, SOMOS TOLOS
NUM PAÍS ESTRANGEIRO"

1. Martírios de pedestres: são afixados em pequenos postes, ao lado das raras faixas de pedestres visíveis, um botão verde. Os tolos imaginam que o fluxo de veículos será interrompido tão logo ele seja acionado, ou algum tempo depois. Ocorre que é mera fantasia - a Companhia de Engenharia de Tráfego engana cinicamente os caminhantes. Estão sempre desligados. Em São Paulo, assim como em muitas outras cidades, o poder público ri dos contribuintes. Pedestres são invisíveis. Para os motoristas, somos galinhas atrapalhando o trânsito. O caos se instala e ninguém respeita ninguém. Educação para a cidadania é uma coisa nojenta vendida pelo governo de turno.

2. Martírios de pedestres: como, em São Paulo, praticamente não há ciclovias, os ciclistas usam as calçadas. Não usam sinalização sonora para avisar que estão próximos. Devem achar brega. E andam em velocidade incompatível. Vocês reclamam e eles fazem gestos obscenos ou xingam. Pouco importa: o que eles falam, em qualquer circunstância, não é língua portuguesa. E se julgam eco-corretos. Não têm urbanidade, são uns imbecis pedalando irresponsavelmente.

3. Martírios de pedestres: as empresas soltam as manadas de escravos em magotes para o horário de almoço. As seções saem agrupadas, falando pelos cotovelos ou aglutinadas aos respectivos e malditos celulares, e tomam toda a calçada; são incapazes de abrir um espaço para os transeuntes que avançam em sentido inverso. Vocês que ponham suas vidas em risco e vão caminhar entre os carros. São os soldados uniformizados (todos de pretinho e crachás) das gestões corporativas. Fome e vale-refeição. Pedestres sem urbanidade atropelando pedestres. Argh! Também não falam a língua portuguesa.

4. Martírios de pedestres: o que todo mundo sabe. Não há uma calçada que mereça esse nome. É uma sequência de buracos e desníveis. Há a profusão de cocôs deixados pela cachorrada das mulheres solitárias (aquelas que chamam o animal de “meu filhinho” e dão nome próprio humano), não usam o saquinho higiênico, ou carregam, mas não dão utilidade. Abaixar-se para recolher fezes não é coisa para uma “dama” (vestida de casaco pink, tênis de palhaço e calça jeans – o uniforme).

E, claro, um em cada cem motoristas respeita as faixas de pedestre. E mais: pensam que o pisca-pisca só deve ser utilizado para outros motoristas (só eles existem). Indicar, por exemplo, que fará uma conversão à direita a fim de que os pedestres saibam se devem ou não avançar, nem pensar. O Código Nacional de Trânsito é uma ficção. Os pedestres devem ser adivinhos. E não devem reclamar, sob pena de ouvir algo que não é língua portuguesa. Quanto às calçadas, tomei uma decisão: comprei um par de sapatos usado pelos operários da construção civil. É o único que resiste.

5. Martírios de pedestres: nas proximidades de pontos de ônibus, eles devem permanecer bastante atentos. O que há ali é um aterro sanitário, um lixão. Comem de tudo, e restos, embalagens, sobras vão para o chão. As empresas responsáveis pela limpeza pública cuidam apenas das sarjetas. Não deixam espaço algum para os transeuntes, vocês que circulem pela rua. Muita falação e nada de língua portuguesa.

6. Martírios de pedestres: domingo no Parque da Água Branca; muitas famílias e crianças pedestres saindo no fim da tarde. O semáforo para eles (só pra eles) estava em amarelo-alerta, intermitente. Os outros, para os motoristas, funcionavam normalmente. Pois é, no semáforo para os pedestres, os condutores de veículos aceleravam alegremente e o povo corria como cães e galinhas para não serem atropelados. Ninguém (pedestres e motoristas) falava a língua portuguesa.

7. Martírios de todos em metrópoles: proibam os automóveis e fumem à vontade, se for o caso, evidentemente nos lugares arejados, como manda a boa educação – lei pra quê?! E comam de tudo. Ah, tranquem os médicos em presídios de segurança máxima (aqueles pobres jovens formados nas Unilixos que estão em toda parte). Só enxergam doenças (não fazem nada sem bateladas de exames) e ignoram os doentes, estes que são os especialistas no próprio corpo. Nem olham pra vocês. O saber parece ter se reduzido a um gráfico estatístico, que, de vez em quando, muda. Tudo é quantificado, a análise qualitativa não mais existe. Não sabem. E tudo fica “medicalizado”. E quando vêm com esses clichês da autoestima e qualidade de vida, chamem a "polícia".

Destruam todas as televisões dos botecos para que as pessoas voltem a conversar. Boteco é pra levar um lero, jogar conversa fora, livrar-se do tormento da vida cotidiana. Os otários ficam ali de boca aberta, fixados no monitor – de gosmas de sofá, tornaram-se burros de banquetas. Não há língua portuguesa, porque não falam; respiram pela boca. Pensar? Ora, que extravagância!

Destruam as corporações e seus regimes cruéis de trabalho e administração. Os regimes de trabalho não dignificam o homem, mas o brutalizam. O pecado original foi bem apenado: o suor de seu rosto e a dor de seu corpo é sua maldição. Engula até o fim de seus dias com sua miserável aposentadoria.

Para mim, a língua é minha pátria - como já foi escrito. Meu país, minha casa. Quer paz? Desliguem o telefone (o fixo e, principalmente, o celular), os sites de relacionamento, o MP4, não leiam as páginas políticas dos jornais, nem as de esporte (eles também atropelam – eleições, Copa do Mundo, Olimpíadas, Argh!); pensem com seu botões, não liguem maquininhas, mergulhem em sua vida interior, como se dizia no passado (se é que você se suporta), leiam também aqueles de quem discordam, não vistam uniformes, não andem em tribos (grupos são veneno), preservem suas boas amizades, cuidem do jardim ou de suas plantas, observem os animais em seu habitat e libertem-nos de seus apartamentos. Tratem qualquer um com elegância, cortesia e urbanidade. Ignorem meus conselhos, porque são conselhos. Duvidem, desconfiem.

Parem de correr com seu fitness-fashion como ratos de laboratório para serem melhores escravos. O Brasil que se dane! Não sinto nenhum orgulho, mas o que vejo aqui me enerva, para não dizer que me é muito penoso. Quem já viu grupo de brasileiros em país estrangeiro, entende o que digo. A organização do esculacho é uma quimera.

Por um mundo sem passaportes, vistos de entrada e fronteiras; ah, empurrem os governos para o abismo, inclusive o de ocasião, uma fraude, (saibam que está faltando mão de obra para a agricultura, bolsa-família é bem melhor – e fazer filhos, muito lucrativo). Também quimeras. Não se iludam, o ser humano não dá certo. Como anda a coisa, sugiro chuva torrencial de gasolina e fósforo aceso. Esta a mudança climática e o aquecimento global desejáveis! Obrigado pela atenção, um abraço, com toda minha raiva.

3 comentários:

Tuca Zamagna disse...

Fiz um comentário na postagem "Dez Bobajadas", ótima, como esta e todas as outras que eu li aqui. Falei da minha intenção de repostá-la no meu blog, o que já fiz, surrupiando ainda um de seus desenhos para usar como ilustração. Se não lhe agradar a minha iniciativa ou se houver algum reparo a fazer, é só falar que eu retiro a postagem ou faço as correções necessárias. Abraço

Anônimo disse...

"Quem já viu grupo de brasileiros em país estrangeiro, entende o que digo. A organização do esculacho é uma quimera."

Tsc tsc..

Tava indo tão bem... quis dar uma de esnobe, cagou tudo.

Aqui a gente fala o Português(br), não o Português(pt). Tem lá suas desvantagens, mas têm vantagens também. Livre-se do complexo de inferioridade que aflige a maioria dos brasileios e reconheça.

Venus in furs. disse...

Sou obrigada a concordar com o "Quem já viu grupo de brasileiros em país estrangeiro, entende o que digo. A organização do esculacho é uma quimera."

Foi assim que aprendi que eh ridiculo xingar os politicos e as maes deles. Politicos e a maior parte dos brasileiros sao tudo farinha do mesmo saco.