quarta-feira, 20 de julho de 2011

Da. MARINA 2.0

Pouco a pouco, foi se formando, em mim, uma convicção: a cabeça de minha mãe está em outro lugar. Quando converso com ela e minha fala é a, da vez, olha-me como qualquer outra; parece me ouvir como qualquer outra, mas sua cabeça está em outro lugar.

Quando sua fala é a, da vez, não me preocupo; como qualquer outro, olho-a. Ela seguramente não fará aquilo que diz, de fato, ser seu propósito. Sua cabeça está em outro lugar.

Essa fratura é tão acentuada que me faz pensar em seu modo paroxístico: ela não está onde repousa seu esqueleto ou onde o movimenta. Se na sala, já está no quarto; se no quarto, já está na cozinha. Se aí, já saiu de casa. Ela toda está em outro lugar.

O curioso é que descubro, assim do nada, que sempre foi assim, apenas se acentuou com a idade (85). De forma que nunca a tenho por perto, nem mesmo pelo telefone. Uma ausência que se amolda, com conforto, a sua inapreensível presença.

E dormindo? Sei que me iludo, ela sonha muito. Adora contar suas andanças oníricas, entre outras. Só o corpo repousa, quando isso acontece. Há as grandes jornadas pela casa, ao longo das madrugadas, corpo e cabeça em acordo eventual.

Também acabei compreendendo o verdadeiro motivo das frequentes perdas de objetos próximos. Quando arruma ou guarda coisas, o faz com a cabeça fora do lugar, a quilômetros do pescoço. É preciso nos desdobrarmos; uma de nossas partes acompanha seu corpo, outra tenta seguir a cabeça. Ao se esgarçar, nos esgarça. Eis, portanto, o nó inteiro revelado: enlouquece a família, que, por si, é patológica.

É conveniente não procurar entender, nem contrariar. Uma convicção que se consolidou, ora pois.

Salvador, julho de 2011

Um comentário:

Anônimo disse...

Será que abe verdadeiramente o que significa sua mãe não estar mais presente?