domingo, 15 de janeiro de 2012

ESTROINICES

Desde muito cedo, deixei de entender coisas de importância incomensurável para as pessoas em geral. Noções exteriores que me foram impingidas e que logo as depositava nas prateleiras interiores destinadas às bizarrias humanas: país, pátria, hino, bandeiras, ideologias, partidos políticos, doutrinas, crenças, religiões, cultos, rezas, superstições, hierarquias, o time do coração, certas etiquetas de comportamento e por aí vai.

Meu interesse esteve sempre voltado para aquilo com que pudesse manter alguma espécie de conectividade e interatividade: a língua primordialmente, as ferramentas, os brinquedos de montar, a terra e sua plasticidade, as árvores, as formigas, passarinhos; as criações plásticas de toda ordem: gravuras, fotografias, pequenas esculturas que figurassem ações cotidianas. A música, a magia dos livros. O que desfilasse diante de meus olhos, penetrasse meus ouvidos, excitasse meus dedos. O que fosse possível, de qualquer forma, replicar.

Quaisquer dessas coisas todas que chegassem envolvidas por auras ou fossem objeto de fetichismo, destituídas de seu contexto humano ou histórico original, me pareciam e parecem descarnadas de verdadeira significação e, portanto, passíveis de fraude, impostura e mistificação. Pessoas também. Não entendo para que nem por que perder tempo extenso com elas.

Assim, visitar certas exposições ditas importantíssimas em museus não está no rol de minhas atividades sabáticas. Refiro-me, particularmente, a reuniões de ícones religiosos milenares, de culturas estranhas mal conhecidas ou de conhecimento impossível. Estatuarias singulares espalhadas aos montes por salões intermináveis. Um massacre de nossa faculdade de recepção e apreensão. A meu juízo, não passam de meros objetos. Posso até ver (em belas reproduções irrepreensíveis), mas não dou a tal importâcia que o vulgo atribui. Deixo os pesquisadores fora disso - aqui é outra história.

À medida que envelheço, a doença se agrava. Depois que as pessoas passaram a ter acesso a um número infinito de imagens (de qualidade) dos lugares mais remotos; à profusão de narrativas, depoimentos e reportagens, tenho menos e menos vontade de viajar. Se turismo sempre me pareceu idiota, hoje me resulta repulsivo. O vulgo chama isso viagem; prefiro nomeá-lo como olhadela leviana e invasiva. E cara. Os turistas produzem, em si, lembranças evanescentes de uma miríade de lugares, monumentos, coisas, gostos, rostos, vozes e cheiros embaralhados que acaba por não lhes servir para nada. Fotografias nos álbuns só lhes dizem: "Ó eu aqui". Estupidez e egoísmo voraz.

Agora, um bem-te-ti observa agitado, casualmente, por breves instantes, este mamífero surpreso, assustado e encantado. E segue sua vida. Ele foi bem, eu fiquei mal subitamente. Eu divago na vadiagem desse janeiro que já me escapa pelos sonhos e dedos. Tenho de voltar para o que nenhuma importância, de fato, tem, mas, maçante e embrutecedor, consome quase todo meu aproximativo final, e, precioso tempo. Chamam trabalho (essa droga que dizem edificar o homem); prefiro nomeá-lo como escravidão consentida. Chamam de qualidade de vida o que não passa de adestramento físico para a servidão diária. Não entendo. É bizarro e estúpido!

A. R. Falcão - Salvador,14 de janeiro de 2012

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