segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

DENTRO DE UM LIVRO

Num país em que a urbanização se deu veloz e aos trancos, com boa parte da população pobre e de pouca instrução, só poderíamos, hoje, assistir a um quase nada de civilidade, a uma barbárie estridente. Pouco importa se agora é chamada de classe C e traga no sovaco um diplomazinho qualquer, financiado pelo Pro-Uni, de uma Unilixo de esquina. Aqui não se protesta, se depreda. Em sentido metafórico (quem tem dinheiro) e, em sentido literal (quem não tem nada - um tênis vagabundo, uma bermuda qualquer, uma camiseta, um boné e muita raiva). A luta nunca é política, é sangrenta de variado modo. De quem é a responsabilidade? De todos e de ninguém. Quem mesmo é que está ligando? Muita Casas Bahia pra todos, muita dívida, para ficar num só exemplo.

Chuto e generalizo mais um pouco: é próprio de certo brasileiro (cada vez mais vulgar) agir por impulso, em busca do fácil, como se fosse avesso à antecipação, ao cálculo, ao planejamento. Veja o trânsito violento, os estádios violentos, os bares violentos, as escolas violentas, as manifestações populares violentas, o lixo nas ruas, o homicídio por motivos fúteis...

Vejo, também aí (no impulso), uma das origens da vasta tendência ao ilícito, ao drible da lei, à busca de brechas. Há, é claro, de se considerar a fúria legiferante dos parlamentares (que não entendem nada) produzindo as leis que não pegam, o difícil para a venda do fácil, a norma sem a devida fiscalização. A pose em detrimento do ato. Uma coisa alimentando a outra. Perante a lei, definitivamente, não somos uma sociedade de iguais. Basta ver o foro privilegiado.

Assim, é da ordem natural brasileira vencer, de pronto, aos saltos e por contornos, os obstáculos que a república exige. Que república, homem branco?! No dizer de Roberto Romano, o adequado é uma federação de oligarquias.

Não sou eu quem diz: como não somos uma sociedade contratual, mas formada por afinidades (de todo tipo) - compadrio, parental, afetiva... "Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei"), a lei, a civilidade, a educação nos modos são um estorvo. "...meu pirão primeiro", "os outros que se danem". "O que é público é de ninguém". "Se não tenho ainda, tomo já" (o jovem delinquente pobre); "Está difícil, a gente mela ou vai ao limite da irresponsabilidade" (o adulto delinquente poderoso). "Não negocio (coisa de fresco), resolvo na porrada, Mané". “Prendo e arrebento”. E isso se traduz na linguagem chula com que as pessoas se tratam no cotidiano. Num simples jogo de quadra, amistoso (uma brincadeira), entre condôminos de um mesmo edifício, o que você mais se ouve é: "Porra! Caralho! Vai tomar no cu, Filho da Puta!". Um horror familiar.

O Brasil é, hoje, um país de despreparados (de ponta a ponta, vertical e horizontalmente), do atropelo, da brutalidade crescente (que, a rigor, é muito antiga - não sai da paisagem). Conseguiram avacalhar de fato. Há mais de 40 anos, quando resolvi trabalhar com educação (a militância política sempre me pareceu burra, autoritária e enfadonha), era jovem e tinha alguma esperança. Desde então, o centralismo ignorante e aloprado dos órgãos responsáveis pelas políticas educacionais só vem tornando as escolas vagabundas (não falo disso, me adoece). Ver um(a) brasileirinho(a) qualquer andando com celular pra lá e pra cá não me parece progresso, mas, sim, um disparate. A conectividade idiota, porque inútil, frívola.

Grosso modo
, não posso gostar daqui. É um país sombrio na alma, e ensolarado na pele. A propalada alegria do brasileiro não é cotidiana, é explosiva, convulsiva e boçal. Não é possível perceber que o brasileiro é, no fundo, um povo triste? É uma pena que ainda esteja assim. Vai piorar.

A verdade é que preferiria estar em lugar nenhum, em país nenhum. De portas e janelas fechadas, dentro de um livro. Bem, já acordo quando os outros vão dormir. Pela manhã, quando chego ao trabalho, já estive em atividade por 7 horas. Os outros escravos estão começando.

Durmo pouco. Tenho, portanto, voluntariamente, horários extravagantes. Não vejo televisão, não vou mais ao cinema, não saio nunca à noite, não uso celular, não participo de redes sociais; mais de três, pra mim, é multidão; não tuito, não gosto de futebol, odeio baladas e baladeiros, não gosto de Carnaval, detesto escolas de samba e samba-enredo, não gosto de música sertaneja (ou o que isso significar), não bebo cerveja, não entro em centro de compras, não gosto de automóveis, não gosto de pinga, não canto o Hino Nacional... Não sei que tipo de brasileiro sou; nem sei o que estou fazendo aqui.

Sou antiquado e deslocado, para o meu próprio bem. O contemporâneo me assusta e me dá medo. A juventude me entristece e me intoxica de desânimo, tal a sua ignorância espalhafatosa. Amo envelhecer. Não quero esperar pra ver. “Não vejo a hora”. Tudo há em demasia. Não vai dar certo, isso vai acabar mal. Não posso conviver com pessoas que repelem o silêncio, o pausado, o pouco, o modesto, o recolhido. Tudo tem que ser em grande quantidade, pra fora e alto, muito alto. Pra prevalecer de qualquer forma.

Do Brasil, gosto apenas da língua e da comida, já gostei da música e das pessoas (que vão, pouco a pouco, desaparecendo). Restam algumas poucas ainda, pra meu consolo. Sair para a rua, com o fito de fazer qualquer coisinha, é um martírio: pedestres em grupo que me jogam para o asfalto; ciclistas do bem que me atropelam, ruído ensurdecedor dos automóveis, motoristas que deveriam estar na cadeia... Para o resto, dou as costas. Cada vez mais. Cada vez mais, dentro de um livro que me agrade. Na solidão e no silêncio de minha casa. Um paraíso quando um brasileiro idiota não resolve ligar o som para ouvir pancadão e arrotar palavrões. Cada vez mais invasivos e em maior número. Basta conceder-lhes crédito e nenhuma educação. Chamam a isso inclusão. Entendi: incluem muitos de qualquer jeito para excluir os que ainda restam. Estes não perceberam ainda que já deveriam ter partido. Eu, como sou do contra, parti pra dentro.

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