sexta-feira, 31 de agosto de 2012

SOBRE A MELANCOLIA E O MELANCÓLICO

A convivência com certo grupo de pessoas me põe diante de alguns problemas que, habitualmente, não me ocupam: deus, deuses, existência depois da morte, criação do universo... Não é um grupo ímpar. É grande e, às vezes, me parece que se amplia. Resolvi, portanto, pôr ordem nas peças de meu tabuleiro, escrevendo o que segue. Adianto que não tenho pretensões de pensar filosoficamente. O que me falta em rigor sobra em anarquia de espírito. Penso e escrevo com a angústia do homem anônimo. O rigor, como trilha excludente, me engessa, me tolhe e me faz ágrafo.

Há um sentimento axial que aparta uns de todos os muitos outros: a melancolia. E não se trata de atribuir-lhe uma negatividade que não é própria dela. Diz mais respeito à postura da pessoa face aos mistérios do mundo. Diversamente do religioso - a quem se imputa, equivocadamente, positividade - o melancólico vivencia o "estar aqui" como quem soubesse que, para as perguntas essenciais, não há respostas.

Vê-se, assim, só, num mundo povoado de abundância de crenças que nada lhe dizem, que nenhum sentido carregam a não ser fantasias confortáveis. Sobre estas, resta-lhe o silêncio, sua proteção para o caldeirão de paixões e irracionalidades de toda ordem.

A melancolia não divide a cama com a depressão; ao contrário: há permanente prazer em caminhar pela noite dos mistérios insondáveis da existência. De forma que põe a pessoa numa constante busca, num estado de reflexão cotidiana. Uma curiosidade incansável. Respostas lhe sabem a modorra do pensamento, a um repouso indesejado.

A pessoa melancólica não carece de nenhuma forma de pertencimento. Todo gregarismo se impõe a ela como brutalidade. Avessa a doutrinas e dogmas, tem como alimento a dúvida infatigada. A unanimidade lhe é tóxica. Daí, lhe atribuírem a designação de antissocial, quando não passa de alguém hostil a convivência frívola, à torcida camarada e à tagarelice. Esses motores de enfado e celeuma desagradáveis e inesperadas.

Recolhimento e sossego são seus estados cultivados - condição para o exercício de suas atividades mentais, que predominam sobre as outras físicas. O melancólico é cerebral, dado a minudências, a constantes verificações e a dilemas incômodos. Incapaz de sambar na avenida e de efusões memorativas. Gritos de júbilo.

Entre o livro e o cinema, o silêncio das palavras. Entre a sinfônica e o quarteto de cordas, o violoncelo. Entre o céu chapado de azul e a abóboda enfeitada de cúmulos e nimbos, as nuvens caminhantes. Parece parado, mas sua vida é um andar sem fim e sem destino. Pleno de propósito.

agosto de 2012

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