A. R. Falcão – maio de 2015
Em águas desconhecidas,
Entro a pé.
Pela pele, perscruto a lama
insidiosa.
Num dia estranho desses,
Despertei, ainda sob o lençol,
E tive, de olhos abertos,
Um sonho funesto:
Em tempos remotos,
Vasculhando territórios
incógnitos,
Numa manhã de abril,
Dei-me, num sobressalto, com
sítio arruinado,
Frente a meu esquecido irmão,
(morto)
Maculado e inaudito,
Em meio à terra destroçada
E aos cadáveres da batalha vencida.
E aos cadáveres da batalha vencida.
Depois de socorrê-lo,
apaziguá-lo
E longo prosear,
Passei-lhe um segredo,
Em obediência a nosso pai,
Grafado num manuscrito
Há muito oculto.
E ele o leu, sem hesitação,
Entre o medo e a sobranceria:
"Sob a sola de teus pés,
Sobre as palmilhas de tuas
botas,
Grassa uma maldição
Que desconheces.
Tuas mãos, em manhã
inesperada,
Arrancarão da terra
Qualquer arranjo de vida.
Então, verás morrer,
Diante de teus olhos esgazeados,
A vianda de teus filhos.
A fome será tanta
Que vos restarão o
entredevorar,
A devastação.
Assim, fartos de sangue,
Das paisagens derribadas,
Tu e a sobra dos teus
Fareis a fome, aos poucos
Abrigar as migalhas,
Que engolireis com sofreguidão
desmedida.
Os sobrevivos, mas não tu,
adormecerão por sete dias e
sete noites.
No desespero, amputarás teus
pés
E atirarás as botas às feras
dos rios.
Em vão:
É tua asneira, teu tormento
infrutuoso.
Acabarás quedo teus dias,
Sem audiência, teu fio de voz.
Por fim, em zanga, fundarás,
para ti, uma religião
E sofrerás teus invernos nas
orações estranhas,
Na única companhia dos
destroços de teu cão,
Outrora fiel, outrora inteiro,
Que o resto de teus
descendentes terão partido.
Verás, com olhos corrompidos,
As choças consumidas pelas
chamas
E será confirmada a profecia.
Sobrará um fiapo de ti, a carregar
como sina”.
Então, olhou-me em desamparo,
Dobrou os papéis, travou-se
mudo
E ergueu-se como que amparado
Por mistura de orgulho e andaime
débil.
Cumprido, em parte, o vaticínio,
Ainda sob a ira e a noite de
seu sobrevindo silêncio,
Segui viagem a insondáveis divisas,
Entre a melancolia e a
desídia,
Livre, para sempre, do fardo
maldito.
Alheio à cama, descalço,
Constrito, acendi um cigarro,
Bebi um uísque sobre a lama e
Fui fazer o que as pessoas fazem:
Carregar o cadáver de si na prisão
do dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário