quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017


REFLEXÕES A ESMO

1. Sem ofensas: inventar uma religião é fascinante, porque tem um acento imaginativo e poético. Seguir uma religião, não. É pobreza de espírito.
2. Tarimba é o lastro de madeira sobre que os soldados se deitam antes de morrer na batalha. E, por insondável motivo, é também o lastro simbólico da experiência que se acumula, o que resulta em alguma sabedoria; onde o conhecimento pode repousar em sua provisoriedade.
3. O momento zero das relações sociais é levantar-se da cama. Seguem as abluções e assemelhados; escolher roupas e vestir-se; sentar-se à mesa, alimentar-se e sair para o mundo; deste você não escapa mais. Há o momento final. Deixe-se eviscerar, deixe que banhem seu cadáver, escolham sua roupa, o vistam e o maqueiem para seu velório. Mesmo aqui você não se livra das relações sociais. Esta maldição. Só há um jeito: não saia mais da cama.
4. Pensar que intimidade é a nudez compartilhada e o interpenetrar-se dos corpos é tolice. Intimidade é muito mais dividir silêncios amistosos e, talvez, ainda assim, seja uma definição insuficiente.
5. Encontrar o culpado por um dano é obsessão tão antiga quanto o homem. Fica a pergunta: ocorrido o dano, a vantagem está na justiça (aqui, irmã da vingança) ou no reparo ao feito? Há danos irreparáveis e, nesse caso, pouco importa o que se fizer. O mal feito não pode ser desfeito. Os reparáveis devem ser reparados por quem os cometeu. Se o malfeitor estiver na cadeia, não poderá reparar nada. Por isso os danos são intermináveis na história do homem. O conjunto de leis é sempre insuficiente e sua aplicação morosa. Há o risco da injustiça. O de hoje não é o de ontem. Paciência, resignação e alerta são bons parceiros desde muito, mas não satisfazem. Porém...
6. Repare como, no Natal, o evento recorrente são familiares comuns brigando por comida e se empobrecendo por presentes. No 25, comem restos e, no 26, correm aos bancos para chorar sobre as sobras. A burrice é um rito a respeitar.
7. No Brasil, ao comprar o seu mais moderno celular, você terá, como brinde, a sentença de morte. Nas quebradas, ele será vendido baratinho, baratinho. Como sua vida que se foi.
8. À noite, alguns dormem, outros tentam dormir. Os que dormem sonham. Alguns se lembram dos sonhos, outros os esquecem. Alguns contam-nos, outros emudecem, mas não esquecem. Em quaisquer de todos os casos, as torneiras, indiferentes, seguem pingando; o dia amanhece e já é hora de trabalhar. Que chatice!
9. Se alguém fizer cada dia diferente dos demais, todos os dias, no último (que é igual para todos), se perderá por falta de referências. Se alguém fizer cada dia idêntico aos demais, todos os dias, no último (que é igual para todos), não terá do que se lembrar. Basta pensar no derradeiro (mas não perceberá) que foi, como os outros, o mesmo.
10. Entre Gregório e seus familiares, havia um atrito ameno que se prolongava há algum tempo. Consistia no fato de que lhe solicitavam exames médicos para mera verificação, uma vez que os anos iam passando sem que fosse a um consultório, qualquer que fosse. Às vezes, emagrecia muito; depois, engordava. E, assim, ia levando. O homem era dado a certos abusos. Ele recusava com declaração severa: "Podem tirar o cavalinho da chuva. Sou forte o bastante para escapar de qualquer doença. Parece que vocês querem me ver doente. Que saco! O tempo passou e, em certa manhã, o encontraram morto na cama. Morrera, serenamente, de causas naturais. Sem nunca ter adoecido. Cumprira-se  a palavra. Parece que, do além, podiam ouvi-lo proclamar: "Viram, suas bestas?!".
11. Mont Tower, a autoridade maior, era tão vaidoso que suas profusas imagens espalhadas por seus domínios públicos não tinham como referente a pessoa empírica, mas reflexos especulares. Simplesmente porque, ao arrumar-se frente ao espelho palaciano, dali não sai mais. Quem ousaria avisá-lo de que há trabalho a fazer? Escolher o terno, um dia; a camisa, uma manhã; os sapatos, também; assim a gravata; pentear os cabelos, três horas e assim por diante.


12. No Brasil (em qualquer lugar), quando empresas (indivíduos também) dizem se arrepender das más condutas, fique de olho: ou no armazém perdões perderam valor ou as vozes ouvidas vinham de fitas gravadas, de origem ignorada. 

Nenhum comentário: